sexta-feira, 12 de março de 2010

[parte 06] Quem é você quando ninguém está olhando? - O AMOR COM COMPAIXÃO

Antes de iniciar, preciso lembrar (ou relembrar) algo bem importante e que me veio à mente quando falamos de amor: Amar não necessariamente significa sentir algo por alguém, no sentido literal. Não é algo fácil de explicar, muito menos de entender, mas tentarei dar um exemplo pra facilitar.

Imagine você dirigindo em um trânsito intenso. Daí, sem aviso prévio, alguém que está no carro ao lado te fecha com tudo, quase bate no seu carro e ainda buzina pra você querendo dizer que está errado.

Nesse caso o amar é simplesmente não revidar e deixar isso pra lá, não entrando aqui no mérito da dificuldade ou do por que. Veja que amar não significa necessariamente ter um sentimento de amor para a pessoa que fez a ação propriamente dita. Se tomasse essa atitude de amor do exemplo, você não está amando a pessoa do motorista diretamente, mas sim demonstrando uma atitude de amor pra com ele e com os outros ao redor. Uma coisa é amar alguém ou algo, outra coisa é ter ações e comportamentos que vem do amor. Todos vêm do amor? Sim, mas nem todos ser referem ao mesmo tipo de amor.

Voltando ao livro, para ilustrar aonde o autor quer chegar, ele narra algumas histórias que mostram a seguinte situação: pra um mesmo acontecimento, pessoas tem atitudes totalmente diferente mesmo sendo de mesma família, mesma mãe, mesmo pai e mesma criação. Daí surge a pergunta que todos se fazem, porque isso ocorre?

Veja um caso típico: Uma família (pai, mãe e dois filhos) tem um animal de estimação a muito tempo. Após esse longo tempo, o animal está em um estado que sofre muito, então é necessário executá-lo para não prorrogar sua dor. Pra essa situação você verá que um dos filhos não permitirá isso em nenhuma hipótese e outro vê que isso realmente é necessário.

Para entender melhor, o autor divide essa questão em dois tipos de “amores”: os insensíveis que precisam do amor com compaixão e os compassíveis que precisam do amor com firmeza. Nesse capitulo o autor trata dos insensíveis e da necessidade do amor com compaixão.

Tenho que convir que o autor faz um excelente trabalho nesses capítulos que fala sobre o amor. Ainda traz muita religiosidade para o texto (até porque o ato de amar é sempre citado nas religiões como o sentimento principal), mas a maneira que ele aborda esses traços do bom caráter é bem interessante.

O dilema dos insensíveis

Faço questão de transcrever um trecho do livro onde o autor relata de forma esplêndida como pensa uma pessoa insensível:

“Se nós, cristãos de coração mais duro, formos sinceros, teremos de admitir que nosso jeito firme de ser pode ferir alguém. Brincamos com pessoas com quem não deveríamos brincar, e , quando percebemos que se ofenderam com a brincadeira, ainda dizemos: Puxa! Mas não se pode nem brincar com você?.

Não sabemos ouvir bem. Muitas vezes, quando alguém fala conosco, estamos pensando em outra coisa, ou respondendo mentalmente ao que ele está dizendo. Ficamos admirados porque algumas pessoas são tão fracas e tímidas. Usamos as pessoas e depois nos descartamos delas sem a menor consideração, pois já serviram aos nossos propósitos. Ainda que não percebamos, os outros afirmam que agimos com superioridade. Sempre achamos que estamos certos, adoramos competir e vencer. A verdade é que lá no intimo vemos as pessoas de coração terno como emocionalmente fracas ou psicologicamente desequilibradas. Nós não a entendemos. Contudo em nosso momento de reflexão, que quando muito ocorre semestralmente (em gral como resultado de alguma crise), não gostamos nada do que vemos em nosso interior.”

É a típica visão do insensível. Não que seja assim porque ele quer, mas é porque simplesmente não consegue ver diferente. Então como deveria ser? O autor começa a direcionar então para os paralelos entre o que o insensível vê e o que o amor vê.

Enxergando e sentindo tudo como os olhos do amor

“Quem não conhece gente de coração endurecido. São aqueles que geralmente estão sempre correndo. Vão aos mais diversos lugares e são empreendedoras. A adrenalina está sempre elevada. Possuem metas a atingir, quotas a alcançar e acordos a fechar. Para elas, o que estão fazendo é tão importante que só conseguem ver os outros pelo seu próprio ponto de vista, de acordo com seus interesses. E eles não passam de meios para elas atingirem com seus propósitos, ou de obstáculos que as estão atrapalhando. Para quem tem um coração insensível, que vive a corre, o ser humano é uma ferramenta a ser usada ou problema a ser evitado.

As pessoas insensíveis tendem a ver os homens como ganhadores ou perdedores, pesos pesados ou peso-mosca, vitoriosos ou incapazes, lúcidos ou desequilibrados. Não conseguem perceber que ninguém é um simples objeto – que todo ser que vive, anda e respira é algo único. Tem dificuldades para compreender que os perdedores e os incapazes são tão importantes para Deus quando os vencedores e os sobreviventes...”

A narrativa acima também foi estraída do livro e parecer ser muito dura, certo? Se você não achou duro demais é porque sabe o quão infelizmente resume a verdade. Mas se achou muito dura e acha que está longe disso, pense melhor.

Certo dia João foi contratado para ser mecânico em uma oficina. Chegando no seu primeiro dia de trabalho, conheceu seus companheiros e, como acontece com todos instintivamente, já detectou aqueles que são os mais habilidosos até porque sempre há comentários desse tipo. A pergunta agora é quem João vai dar mais atenção nos dias seguintes na oficina? Pra quem ele parará um serviço e lhe ajudará prontamente se for pedido? Todos os mecânicos ou aqueles que ele viu que são os melhores da oficina?

Se você acha que João vai dar preferência ao que sabe mais, o que João vai fazer com esse que sabe mais quando ele não for mais útil (não saber mais que ele)? Veja que é apenas uma forma branda do que é narrado acima.

Todavia não é o objetivo aqui ver se isto é certo ou errado nesse caso. O problema é a falta de visão que sempre temos pra esses fatos. Generalize essa situação e você verá que chegaremos aos extremos que vemos hoje tão rotineiramente. Passamos a desprezar quem não nos é lá muito útil.

Que existe gente que não é assim, concordo. Mas o grande problema é que existe gente que ACHA que não é assim. Como seria então a visão do amor nesses casos? Convido a você que me acompanhe em uma simulação interessante que fiz baseada nesse assunto.

Nosso mundo virtual

Imagine que você criasse no seu computador pessoal um mundo virtual. Estipulasse todas as regras físicas para o lugar e colocasse nele alguns seres dotado de certa inteligência para ter consciência de si mesmo e sentir algo bom em viver a vida que você criou pra eles, no capricho. Mas como você sabe que às vezes precisa direcionar algo neles pra ajudá-los, decide então criar um link em cada um deles pra mandar informação quando achar que deve. Gostou da idéia do link e decide então permitir que eles usem entre eles esse dispositivo. Afinal você sabe que sem conexão, não há como existir ninguém em um mundo virtual que se preze.

Os seres conhecem e sabem das regras físicas do local, estipulam entre eles algumas regras sociais para tentar conseguir conviver um com os outros sem se destruir e para poder apreciar a vida que tem. Assim seu mundo segue por alguns dias.

Bom, agora você está observado os seres “viverem” no seu mundo virtual. Seus serem começam então a ter situações totalmente diferentes um dos outros. Uns passam a quebrar as regras e fazerem o que não foi combinado entre eles mesmos, sem se importar com isso. Outros questionam se o que foi combinado é realmente bom pra todos. Você aciona o link e tenta mandar direcionamentos pra eles, mas eles passam a ignorar.

Passam-se então mais dias e você percebe que a vida dos seus seres, no seu mundo virtual, está complicada e propensa a terminar porque eles mesmos estão se destruindo.

Você revê como os construiu pra ver se dá pra mudar algo, tentar refazer seu mundo virtual e conseguir manter tudo conforme o planejado, afinal seus serem foram feitos pra serem felizes. È quando vê que não tem o que mexer a não ser que tire a inteligência e a capacidade de perceber quem são e isso você acha inadmissível, afinal é isso que torna o seu mundo virtual algo diferente. Tem que pensar em outra coisa.

O link não está mais surtindo nenhum efeito e a coisa está complicando. Você pensa "Será que deveria intervir no mundo mundo virtual mais diretamente? É... É uma boa opção". Mas como fazer isso de forma eficaz? Entrar nos seres e mudar sua programação vai aliviar isso, mas como já aconteceu, cedo ou tarde eles voltarão a ficar assim.

Bom, vou reiniciar o mundo virtual e deixar só alguns mais propensos a não autodestruição pra ver se funciona” – pensa você então. Cria alguma catástrofe gigantesca no seu mundo virtual e deixa sobreviver só alguns poucos e bons que acredita poder gerar seres melhores depois. Faz isso algumas vezes e nada.

Durante todo esse processo, você nunca desiste de tentar o link com eles. Aqueles poucos que aceitam, nitidamente passam a ser serem bem mais felizes porque eles passam a entender os outros serem instintivamente e também porque você consegue guiá-los. Mas a grande maioria te ignora fervorosamente. "Porque fazem tanta questão de rejeitar o link?"- pensa você sem entender muito isso.

Mas você decide persistir, afinal quase seis meses já se passaram, você está se dedicando a eles há tanto tempo e precisa fazer algo, senão mesmo que comece outro mundo, vai acabar assim. Além disso, gostou do que fez nesse, horas e horas de preocupação, tempo, esforço... "Com certeza tem algo que dá pra fazer" - pensa e comprova isso ao ver alguns seres que realmente valeu a pena ter criado. Quer ver seus seres ficarem todos assim, se desenvolverem, fazerem o que verdadeiramente foram criados pra fazer, viverem a vida de forma plena.

Já sei” - pensa orgulhoso - “Vou eu mesmo definir algumas regras sociais pra eles, pra ajudá-los”. Decide então que precisa falar com eles e passar as regras que você sabe que farão as coisas melhorarem. Aí surge outra questão, como entraria no mundo virtual pra fazer isso? (lembre-se que seu link não está mais ativo, pois ele ignoram tudo que manda por esse meio) “Acho que vou fazer aparecer lá um falante voador que vai transmitir pra eles o que vou falar. Isso vai causar espanto e eles vão ouvir” - pensa. Você cria e coloca pra eles um auto falante voador. Pega seu auto-falante voador, escolhe um daqueles poucos que o link funciona bem e começa por seu plano em ação.

No começo até dá algum resultado, mas depois você vê que na realidade tudo é só aparente porque ficaram com medo da voz, não porque mudaram de verdade. Assim que perderem o medo vai voltar a ser igual tudo de novo. Decide então sair de cena pra ver se deu certo. Nada! Voltou a mesma coisa, ou seja, estão novamente em rota de destruição.

Claro que sua persistência no link nunca parou, afinal esse era para ser o meio principal de comunicação. Simples, fácil, sem problemas. Mas eles parecem que fazem por capricho rejeitar o link. Cada vez mais. Mesmo assim você nunca vai deixar de tentar... Vai que eles acordem pra verdade, vejam como os poucos que aceitam o link ficam bem e decidam experimentar também.

Que povo mais teimoso não?! “Vou criar um AVATAR (um exemplar de ser nativo em que eu tenha acesso direto e comande tudo nele), entrar lá dentro e ver se consigo falar na língua deles, mostar a besteira que estão fazendo e ver se eles param de ser tão burros” – pensa você super animado porque acredita que isso vai resolver os problemas.

Sabe o que acontece?! Eles simplesmente matam seu avatar quando você decidiu começar a passar pra eles como as coisas tinham que ser de verdade. Seu sangue ferve!!! “Não acredito que fizeram isso... Ahh... Vou matar todos esse povo!!!” pensa você no alto de sua ira.

Mas porque os serem fizeram isso? Pesquisa seus códigos que você mesmo programou e percebe que, na visão de seus seres, seu avatar estava distorcendo as regras que eles criaram. “Que absurdo” - você pensa – “Eu distorcendo?!! São eles que inverteram tudo, estão se auto destruindo e tem a pachorra de achar que eu estou distorcendo?!!!”.

O que fazer então?...

Veja, é uma simulação de um jogo que até existe mesmo na internet, claro que não nesses detalhes. O “link “que falo nesse exemplo é o amor, algo que nos une. Mesmo que você não acredite em Deus (nesse exemplo simplório, a pessoa que tem o computador), não há como negar que há algo em nós que, nos memento que o bicho pega de verdade, nos faz ficar juntos e trabalharmos juntos.

Mas porque não funciona no dia a dia? O que falar pra aqueles seres entenderem que estão em rota de destruição? Quem sabe se eles pudessem imaginar como seria ver o mundo virtual deles do ângulo de seu criador, ver como seus códigos estão bem projetados, tudo está certinho, que eles foram criados pra ter uma vida plena... Quem sabe asssim veria que toda essa dureza, rispidez, racionalidade, enfim tudo isso é algo muito pequeno, ou até microscópio, frente ao universo que vive e ao caminho que podem caminhar.

Então um duro de coração questiona: "Se eles tivessem a percepção do criador, eles iriam continuar a trabalhar, batalhar em seu dia a dia?" Claro que sim, se não morreriam de fome porque o local que eles vivem exige isso. A pergunta certa seria: Mas porque batalhar entre eles? Individualizando, porque cuidar só do dele e o resto que se exploda, não importa em que sentido? Se o resto explodir, que vai adiantar ele ter cuidado da parte dele? O que adiantou batalhar tanto em busca de algo, se depois aquilo que deixamos pra trás por esse enorme trabalho será o que no fundo mais importava... E o pior que eles (nós) sabem disso.

Isso é o que o amor vê, sente e pensa. É o que o insensível não consegue entender e tem que aprender a ver, sentir e pensar senão estará cada vez mais perto de sua destruição.

Vamos voltar ao exemplo do motorista do começo desse post. O que adianta chingá-lo ou buzinar? Você vai ensinar o que pro motorista fazendo isso? O que você ganha? "Eu fico aliviado de por a raiva pra fora, extravasar" dizem alguns mais insistentes. Então a pergunta é, porque algo assim lhe traz tanta raiva a ponto de ariscar sua saúde pra extravasar com outros que está como você (senão ele não teria feito algo tão hostil, concorda?). Digo ariscar a saúde porque assim como você está extravasando sua raiva, o outro também pode pensar assim e revidar. Onde acabará? Voltando, o que vai ganhar além do acúmulo de frustração? Em suma, é mais um ciclo vicioso destrutivo dentre muitos que nós duros precisamos quebrar antes que sejamos destruídos.