terça-feira, 28 de janeiro de 2014

Lei 15 - Aniquile totalmente o inimigo

Todos os grandes líderes sabem que o inimigo perigoso deve ser esmagado totalmente. Se restar uma só brasa, por menor que seja, acabará se transformando em fogueira. Perde-se mais fazendo concessões do que pela total aniquilação: o inimigo se recuperará, e se vingará. Esmague-o, física e espiritualmente.

A ideia é simples: Seus inimigos não gostam de você. O que eles mais querem é acabar com você. Se ao combatê-los você parar no meio do caminho, ou mesmo depois de percorrer três quartos do caminho, por misericórdia ou esperança de reconciliação, você só os tornará mais determinados, mais amargurados, e um dia eles se vingarão. Eles podem agir cordialmente por uns tempos, mas isso só porque você os derrotou. Eles não têm outra escolha a não ser aguardar.

A solução: Não ter misericórdia. Esmagá-los totalmente, como eles o esmagariam. A única paz e segurança que você pode esperar dos seus inimigos é quando eles desaparecem. O princípio por trás de “esmagar o inimigo” é tão antigo quanto a Bíblia: o primeiro a colocá-lo em prática foi Moisés, que a aprendeu com o próprio Deus, que abriu o mar Vermelho para os judeus e depois deixou que as águas fluíssem novamente afogando os egípcios que vinham logo atrás, de forma a “não sobrar nem um só deles”. Moisés, quando desceu do Monte Sinai com os Dez Mandamentos e viu seu povo adorando o Bezerro de Ouro, mandou matar todos os pecadores. E pouco antes de morrer, ele contou ao seu povo, finalmente prestes a entrar na Terra Prometida, que ao derrotarem as tribos de Canaã deveriam tê-las “destruído totalmente... sem aliança e nem misericórdia”.

A vitória total como meta é um dos axiomas da guerra moderna, e foi codificada como tal por Carl von Clausewitz, o ministro filósofo da guerra. Analisando as campanhas de Napoleão, von Clausewitz escreveu, “Nós sustentamos que a aniquilação total das forças inimigas deva sempre ser a idéia predominante (...) Uma vez obtida uma grande vitória não se pode falar em descansar, em respirar (...) mas apenas de perseguir, de ir atrás do inimigo novamente, conquistar a sua capital, atacar suas reservas e tudo mais que possa dar ao seu país ajuda e conforto”. Isso porque depois da guerra vêm as negociações e a divisão de território. Se você teve apenas uma vitória parcial, vai inevitavelmente perder nas negociações o que lucrou com a guerra.

A solução é simples: não dê opção aos seus inimigos. Aniquile-os e você é quem vai trinchar o território deles. O objetivo do poder é controlar seus inimigos totalmente, fazê-los sujeitar-se ao que você deseja. Você não pode se dar ao luxo de fazer concessões. Sem outra opção, eles serão forçados a fazer o que você manda. Esta lei não se aplica apenas ao campo de batalha. Negociações são como uma víbora insidiosa que corrói a sua vitória, portanto não negocie nada com o inimigo, não lhe dê nenhuma esperança, nenhum espaço de manobra. Eles estão esmagados e ponto final.

Entenda isto: na sua luta pelo poder você vai despertar rivalidades e criar inimigos. Haverá pessoas que você não conseguirá convencer, que permanecerão suas inimigas não importa o que aconteça. Mas seja qual a dor que você lhes causar, deliberadamente ou não, não leve o ódio delas para o lado pessoal. Reconheça apenas que não há possibilidade de paz entre vocês dois, principalmente se você continuar no poder. Se você deixar que elas fiquem por perto, elas vão procurar se vingar, com tanta certeza quanto depois do dia vem a noite. Esperar que elas mostrem suas cartas é tolice.

Seja realista: com um inimigo assim por perto, você jamais terá segurança. Aprenda com os exemplos da história, e com a sabedoria de Moisés: não faça concessões. Não é uma questão de morte, é claro, mas de exílio. Suficientemente enfraquecidos e depois banidos para sempre da sua corte, seus inimigos se tornam inofensivos. Não têm mais esperanças de se recuperar, de vir se insinuando e ferir Você. E se for impossível bani-los, pelo menos saiba que eles estão tramando contra você, e não dê atenção aos seus gestos fingidos de amizade. A sua única arma numa situação dessa é a sua própria cautela. Se não puder bani-los imediatamente, então planeje o melhor momento para agir.

O INVERSO

Raramente se deve ignorar esta lei, mas acontece que às vezes é melhor deixar que os seus inimigos se destruam, se isso for possível, do que fazê-los sofrer nas suas mãos. Na guerra, por exemplo, um bom general sabe que atacando um exército encurralado seus soldados lutarão com muito mais entusiasmo. Por isso, às vezes é melhor lhes deixar uma saída de emergência, uma escapatória. Recuando eles se desgastam, e a retirada os deixa mais desmoralizados do que qualquer derrota nas mãos desse general no campo de batalha. Se você tem alguém com a corda no pescoço, então — mas só se você tiver certeza de não haver chances de recuperação — é melhor deixar que ele se enforque. Que ele mesmo seja o agente da sua própria destruição. O resultado será o mesmo, e você não se sentirá tão mal.

Finalmente, ao esmagar um inimigo às vezes você o irrita tanto que ele passa anos a fio tramando uma vingança. O Tratado de Versalhes teve esse efeito sobre os alemães. Há quem diga que a longo prazo é melhor mostrar uma certa demência. O problema é que a sua demência implica um outro risco — ela pode encorajar o inimigo, que ainda guarda rancor, mas agora tem mais espaço para agir. Quase sempre é mais sensato esmagar o inimigo. Se anos depois ele quiser se vingar, não baixe a guarda, simplesmente esmague-o de novo.

Pois é preciso notar que os homens devem ser afagados ou então aniquilados; eles se vingarão de pequenas ofensas, mas não poderão fazer o mesmo nas grandes ofensas; quando ofendemos um homem, portanto, devemos fazê-lo de modo a não ter de temer a sua vingança. 
Nicolau Maquiavel, 1469-1527


Fonte: "As 48 leis do Poder", Robert Greene e Joost Elffers, Editora Rocco, 2000

sábado, 25 de janeiro de 2014

Lei 14 - Banque o amigo, aja como espião

Conhecer seu rival é importantíssimo. Use espiões para colher informações preciosas que o colocarão um passo à frente. Melhor ainda: represente você mesmo o papel de espião. Em encontros sociais aprenda a sondar. Faça perguntas indiretas para conseguir que as pessoas revelem seus pontos fracos e intenções. Todas as ocasiões são oportunidades para uma ardilosa espionagem.

Assim é o poder da espionagem bem-feita: faz você parecer onipotente, clarividente. O conhecimento que você tem da sua vítima pode também fazer você parecer encantador, capaz de prever tão bem os seus desejos. Ninguém vê a fonte do seu poder, e o que não se pode ver não se pode combater.

Na esfera do poder, o seu objetivo é um certo grau de controle sobre acontecimentos futuros. Parte do seu problema, portanto, é que as pessoas não lhe dirão tudo que pensam, sentem e planejam. Controlando o que dizem, elas quase sempre mantêm ocultas as partes mais críticas da sua personalidade — suas fraquezas, seus motivos secretos, suas obsessões. O resultado é que não se pode prever seus movimentos, e fica-se constantemente no escuro. O truque é achar um meio de sondá-las, descobrir seus segredos e intenções ocultas, sem deixar que saibam o que você está pretendendo fazer.

Não é assim tão difícil como você pensa. Uma fachada cordial permitirá que você colha informações sigilosas de amigos e inimigos igualmente. Deixe que os outros consultem o horóscopo, ou as cartas do tarô: você tem meios mais concretos de ver o futuro. A maneira mais comum de espionar é usando outras pessoas. O método é simples, eficaz, mas arriscado: você certamente obtém informações. mas tem pouco controle sobre as pessoas que estão fazendo o trabalho. Talvez por inépcia elas revelem a sua espionagem, ou até secretamente se voltem contra você. É muito melhor ser você mesmo o espião, posar de amigo enquanto sigilosamente colhe informações.

Nas reuniões sociais e encontros inocentes, preste atenção. É quando as pessoas baixam a guarda. Abafando a sua própria personalidade, você pode fazê-las revelar coisas. A vantagem da manobra é que elas confundirão o seu interesse com amizade, e você não só fica sabendo das coisas como conquista aliados.

Não obstante, você deve praticar esta tática com prudência. Se as pessoas começarem a desconfiar de que você está extraindo delas segredos sob o disfarce de uma conversa, elas o evitarão terminantemente. Dê ênfase ao bate-papo amigo, não às informações preciosas. Sua busca de preciosidades não pode ser óbvia demais, ou suas sondagens revelarão mais sobre você mesmo e as suas intenções do que sobre o que você quer saber.

Um truque para tentar a espionagem nos é dado por La Rochefoucauld, que escreveu, “Encontra-se a sinceridade em pouquíssimos homens, e com freqüência ela é a mais esperta das artimanhas — se é sincero para atrair a confiança e obter os segredos do outro”. Fingindo abrir o seu coração, você, em outras palavras, faz com que a outra pessoa se incline a revelar os seus próprios segredos. Faça-lhe uma confissão falsa e ela lhe fará uma verdadeira. Outro truque foi identificado pelo filósofo Arthur Schopenhauer, que sugeria veementemente contradizer a pessoa com quem você está conversando para irritá-la, até ela perder o controle do que está dizendo. Reagindo com a emoção, ela revelará toda a verdade sobre si mesma, verdade que você depois poderá usar contra ela.

Outro método indireto de espionagem é testar as pessoas, armar pequenas armadilhas que as farão revelar coisas sobre si mesmas. Ao tentar fazer com que as pessoas cometam determinados atos, você fica sabendo sobre a sua lealdade, honestidade e outras coisas mais. E este tipo de conhecimento quase sempre é o
mais valioso de todos: com essa arma, você pode prever como as pessoas agirão no futuro.

O INVERSO

A informação é fundamental para o poder, mas, assim como você espiona os outros, deve se preparar para também ser espionado. Uma das armas mais eficazes na luta pelas informações, portanto, é divulgar informações falsas. Como disse Winston Churchill, “A verdade é tão preciosa que deveria estar sempre escoltada por mentiras”. Você deve se cercar desses guarda-costas para proteger a sua verdade.

Divulgando as informações que você mesmo escolhe, o jogo está nas suas mãos.Divulgando informações falsas, portanto, você ganha uma enorme vantagem. Enquanto a espionagem dá a você um terceiro olho, a desinformação deixa o inimigo cego de um olho. Um ciclope, ele erra sempre o alvo.

Ora, o que faz um soberano brilhante e um sábio general conquistarem sempre o inimigo, e suas realizações superarem as dos homens comuns, é a presciência da situação do inimigo. Essa “presciência” não vem dos espíritos, nem dos deuses, nem de uma analogia com acontecimentos passados, nem de cálculos astrológicos. Deve ser obtida de homens que conhecem a situação do inimigo — dos espiões.
Sun Tzu, A arte da guerra, século 4 a.C.


Fonte: "As 48 leis do Poder", Robert Greene e Joost Elffers, Editora Rocco, 2000

terça-feira, 21 de janeiro de 2014

Lei 13 - Ao pedir ajuda, apele para o egoísmo das pessoas, jamais para a sua misericórdia ou gratidão

Se precisar pedir ajuda a um aliado, não se preocupe em lembrar a ele a sua existência e boas ações no passado. Ele encontrará um meio de ignorar você. Em vez disso, revele algo na sua solicitação, ou na sua aliança que o beneficiará, e exagere na ênfase. Ele reagirá entusiasmado se vir que pode lucrar alguma coisa com isso.

Na sua busca de poder, você vai se encontrar constantemente na posição de ter que pedir ajuda aos mais poderosos. Pedir ajuda é uma arte, que depende da sua capacidade para compreender a pessoa com quem está lidando, e não confundir o que você precisa com as necessidades dela.

As pessoas, na sua maioria, não conseguem isso, porque estão totalmente presas aos seus próprios desejos e necessidades. Elas começam supondo que as pessoas com quem estão lidando têm um interesse altruísta em ajudá-las. Falam como se as suas necessidades tivessem alguma importância para estas pessoas — que provavelmente não estão dando a mínima. Às vezes elas se referem a questões maiores: uma grande causa, ou emoções grandiosas como amor e gratidão. Preferem o quadro geral, quando as simples realidades cotidianas seriam muito mais atraentes. O que elas não percebem é que até a pessoa mais poderosa está presa ao seu próprio conjunto de necessidades, e que se você não acenar para o seu egoísmo ela simplesmente o verá como alguém desesperado ou, na melhor das hipóteses, uma perda de tempo.

Cada pessoa com quem você lida é como se fosse uma outra cultura, uma terra estranha com um passado que nada tem a ver com o seu. No entanto é possível desfazer as diferenças entre dois apelando para o egoísmo do outro. Não seja sutil: você tem um conhecimento valioso para dividir, você vai encher os cofres dele de ouro, você tornará a sua vida mais longa e feliz. Esta é uma linguagem que todos nós falamos e compreendemos.

Um passo essencial nesse processo é compreender a psicologia do outro. Ele é vaidoso? Está preocupado com a sua reputação ou posição social’? Tem inimigos que você poderia ajudar a vencer? A sua motivação é apenas o dinheiro e o poder’? O egoísmo é a alavanca que move as pessoas. Se conseguir que elas vejam que você pode, de alguma forma, satisfazer as suas necessidades ou favorecer a sua causa, a resistência aos seus pedidos de ajuda desaparece como que por um passe de mágica. A cada etapa no caminho da conquista do poder, você deve procurar sempre ver o que passa pela cabeça da outra pessoa, quais são as necessidades e interesses dela, para afastar a cortina dos seus próprios sentimentos que obscurecem a verdade. Domine esta arte e não haverá limites para você.

O INVERSO

Há pessoas que consideram o apelo ao seu egoísmo como uma atitude feia e ignóbil. Elas na verdade preferem poder exercitar a caridade, a misericórdia e a justiça, que é a sua maneira de se sentirem superiores a você: quando você lhes implora ajuda, está enfatizando o poder e a posição delas. Elas são fortes o bastante para não precisarem nada de você, exceto a chance de se sentirem superiores. É este o vinho que as embriaga. Estão morrendo de vontade de patrocinar o seu projeto, apresentar você a pessoas poderosas — desde, é claro, que tudo isto seja feito em público, e por uma boa causa (em geral, quanto mais público melhor). Nem todos, portanto, podem ser abordados usando o egoísmo cínico. Algumas pessoas ficarão desconcertadas, porque não querem parecer motivadas por essas coisas. Elas querem uma oportunidade para exibir o seu bom coração.

Não seja tímido. Dê a elas essa oportunidade. Não é que você esteja abusando da sua boa-fé pedindo ajuda — elas realmente sentem prazer em dar, e serem vistas dando. Você deve saber diferenciar as pessoas poderosas e descobrir quais são os seus motivos e necessidades básicas. Se elas transpiram ganância, não apele para a sua caridade. Se elas querem parecer nobres e caridosas, não apele para a sua ganância.

A maneira mais rápida e eficaz de fazer fortuna é deixar as pessoas verem claramente que é do interesse delas promover o seu.
Jean de La Bruyêre, 1645-1696


Fonte: "As 48 leis do Poder", Robert Greene e Joost Elffers, Editora Rocco, 2000

sábado, 18 de janeiro de 2014

Lei 12 - Use a honestidade e a generosidade seletivas para desarmar a sua vítima

Um gesto sincero e honesto encobrirá dezenas de outros desonestos. Até as pessoas mais desconfiadas baixam a guarda diante de atitudes francas e generosas. Uma vez que a sua honestidade seletiva as desarma, você pode engana-las e manipulá-las à vontade. Um presente oportuno - um cavalo de Tróia - será igualmente útil.

A melhor maneira de conseguir isso é aparentando sinceridade e honestidade. Quem vai desconfiar de uma pessoa literalmente apanhada num ato honesto? A essência da trapaça é a distração. Distraindo as pessoas a quem pretende enganar, você ganha tempo e espaço para fazer algo que elas não perceberão. Um gesto delicado, generoso ou honesto muitas vezes é a forma mais eficaz de distração porque desarma as suspeitas da outra pessoa. Elas ficam como crianças, aceitando ansiosas qualquer demonstração de afeto.

É melhor usar a honestidade seletiva logo no primeiro encontro. Somos todos criaturas de hábitos, e nossas primeiras impressões duram muito. Se alguém acreditar desde o início que você é honesto, vai demorar para convencer essa pessoa do contrário. Você ganha espaço para manobra.

Em geral, não basta uma única atitude honesta. O que é necessário é a reputação de pessoa honesta, baseada numa série de atitudes — mas estas podem ser bastante inconsequentes. A honestidade é uma das melhores formas de desarmar o previdente, mas não é a única.

Qualquer tipo de atitude nobre, aparentemente altruísta, serve. Talvez a melhor, entretanto, seja a generosidade. Raras são as pessoas que resistem a um presente, mesmo do inimigo mais ferrenho, por isso esta costuma ser a maneira perfeita de desarmar as pessoas. Um presente desperta em nós a criança, derrubando na mesma hora as nossas defesas. Apesar de olharmos com descrença o comportamento das outras pessoas, raramente vemos o elemento maquiavélico de um presente, com freqüência escondendo segundas intenções. Um presente é o objeto perfeito para esconder uma atitude falsa.

A bondade seletiva com freqüência desarma o inimigo mais obstinado: acertando em cheio no coração, ela corrói o desejo de revidar. Lembre-se: jogando com as emoções dos outros, gestos calculados de bondade podem transformar um AI Capone numa criança ingênua. Como qualquer abordagem emocional, a tática deve ser praticada com prudência: se as pessoas perceberem, os sentimentos de gratidão e cordialidade frustrados se transformarão em ódio e desconfiança na sua forma mais violenta. Se não for capaz de fazer o gesto parecer sincero, não brinque com fogo.

O INVERSO

Quando você já tem um histórico de dissimulações, não há honestidade, generosidade ou gentileza que consiga enganar as pessoas. De fato, isso só chamará mais atenção. Quando você já é visto como falso, uma atitude honesta de repente é apenas suspeita. Nestes casos, é melhor bancar o patife.

Nada na esfera do poder está escrito em pedra. A falsidade declarada às vezes encobre as suas pegadas, e até o faz ser admirado pela honestidade da sua desonestidade.


Fonte: "As 48 leis do Poder", Robert Greene e Joost Elffers, Editora Rocco, 2000

terça-feira, 14 de janeiro de 2014

Lei 11 - Aprenda a manter as pessoas dependentes de você

Para manter a sua independência você deve sempre ser necessário e querido. Quanto mais dependerem de você, mas liberdade você terá. Faça com que as pessoas dependam de você para serem felizes e prósperas, e você não terá nada o que temer. Não lhes ensine o bastante ao ponto de poderem se virar sem você.

Poder é a capacidade de conseguir que os outros façam o que você quer. Se você consegue isso sem forçar nem magoar as pessoas, se elas de boa vontade lhe dão o que você deseja, então o seu poder é intocável. A melhor maneira de alcançar esta posição é criando uma relação de dependência. O senhor precisa dos seus serviços; ele é fraco, ou incapaz de funcionar sem você, que se misturou de tal forma no trabalho dele que, eliminando-o, ele ficaria em grandes dificuldades, ou pelo menos perderia um tempo precioso para treinar outra pessoa para substituir você. Uma vez estabelecida uma relação dessas, você é quem tem o controle, a influência para forçar o senhor a fazer o que você quer. E o caso clássico do homem por trás do trono, o servo do rei que na verdade controla o rei.

Não seja como tantos que se enganam acreditando que poder é independência. O poder implica um relacionamento entre as pessoas; você sempre vai precisar dos outros como aliados, peões, ou até como senhores fracos que servem de fachada para você. O homem totalmente independente viveria numa cabana na floresta — estaria livre para ir e vir à vontade, mas não teria poder. O máximo que você pode esperar é que os outros fiquem tão dependentes de você que você passa a usufruir um tipo inverso de independência: a necessidade que eles sentem de você o deixa livre.

Você não precisa ter o talento de um Michelangelo, basta uma habilidade que o destaque da multidão. Você deve criar uma situação tal que possa sempre se apegar a outro senhor ou patrono, mas que o seu senhor não seja capaz de encontrar facilmente outro servo com o seu talento particular. E se, na realidade, você não for mesmo indispensável, deve encontrar um jeito de parecer que é. Aparentar ser dono de um conhecimento e uma habilidade especializados lhe dá uma margem de segurança para fazer os seus superiores acharem que não vivem sem você. A dependência real por parte do seu senhor, entretanto, o deixa mais vulnerável a você do que a falsa, e você sempre poderá tornar a sua habilidade indispensável.
Isto é o que se entende por destinos entrelaçados: como a hera que vai se agarrando no muro, você está tão enredado na origem do poder, que será muito traumático arrancá-lo dali. E você não precisa necessariamente ficar entrelaçado com o senhor; outra pessoa ficará, desde que ela também seja indispensável na cadeia.

Para fazer com que os outros dependam de você, um caminho a tomar é a tática do serviço secreto. Sabendo o segredo das outras pessoas, guardando informações que elas não gostariam de ver divulgadas, o seu destino fica selado ao delas. Você fica intocável. Os ministros da polícia secreta mantiveram esta posição por séculos: eles podem fazer ou derrubar um rei.

Um último aviso: não pense que o seu senhor, porque depende de você, vai amá-lo. De fato, ele pode se ressentir e ter medo de você. Mas, como disse Maquiavel, é melhor ser temido do que amado. O medo você pode controlar; o amor, não. Depender de sentimentos tão sutis e inconstantes como amor ou amizade só deixa você inseguro. É melhor que os outros dependam de você por temer as conseqüências de perdê-lo do que por gostar da sua companhia.

O INVERSO

O lado negativo de fazer os outros dependerem de você é que você, de certa forma, fica dependente deles. Mas não aceitar isso significa livrar-se dos seus superiores — ficar sozinho, sem depender de ninguém. Esse é o impulso monopolista de um J. P. Morgan ou de um John D. Rockefeller — eliminar toda a concorrência, ficar no controle total. Se você pode encurralar o mercado, melhor.

Toda independência tem o seu preço. Você é forçado a se isolar. Os monopólios com freqüência se voltam para dentro e se destroem pela pressão interna. Eles também despertam fortes ressentimentos, fazendo os inimigos se unirem contra eles. O impulso para o controle total é muitas vezes pernicioso e inútil. A interdependência é a regra, a independência uma rara e quase sempre fatal exceção. É preferível se colocar numa posição de dependência mútua, portanto, e seguir esta regra do que procurar o inverso. Você não sofrerá a insuportável pressão de estar no topo, e o senhor acima de você é que será o seu escravo, pois ele é quem vai depender de você.

Faça as pessoas dependerem de você. Ganha-se mais com essa dependência do que cortejando-as. Quem já saciou a sua sede, dá logo as costas para a fonte, não precisando mais dela. Não havendo dependência, desaparece também a civilidade e a decência, e depois o respeito. A primeira coisa que se aprende com a experiência é manter viva a esperança, porém nunca satisfeita, manter até um patrono real sempre precisando de você.
Baltasar Gracián, 1601-1658


Fonte: "As 48 leis do Poder", Robert Greene e Joost Elffers, Editora Rocco, 2000

sábado, 11 de janeiro de 2014

Lei 10 - Contágio: Evite o infeliz e azarado

A miséria alheia pode matar você - estados emocionais são tão contagiosos quanto as doenças. Você pode achar que está ajudando o homem que se afoga, mas só está precipitando o seu próprio desastre. Os infelizes às vezes provocam a própria infelicidade; vão provocar a sua também. Associe-se aos felizes e afortunados.

O tipo de personalidade contagiosa não se restringe às mulheres, nada tem a ver com gênero. A sua raiz está numa instabilidade interior que irradia, atraindo desastres. Existe quase que um desejo de destruir e perturbar. Você poderia passar a vida inteira estudando a patologia das personalidades contagiantes, mas não perca o seu tempo — aprenda a lição apenas. Se desconfiar de que está na presença de uma pessoa contagiosa, não discuta, não tente ajudar, não passe a pessoa adiante para seus amigos, ou você cairá na teia. Fuja ou sofrerá as conseqüências. Aqueles infelizes derrubados por circunstâncias fora do seu controle merecem toda a nossa ajuda e simpatia. Mas há outros que não nasceram infelizes ou desventurados, mas atraem a infelicidade e a desventura com seus atos destrutivos e o efeito perturbador que exercem sobre
os outros. Seria ótimo se pudéssemos chamá-los de volta à vida, mudar seus padrões, mas quase sempre são esses padrões que são assimilados por nós e nos mudam. A razão é simples — os seres humanos são extremamente suscetíveis a humores, emoções e até maneiras de pensar daqueles com quem convivem.

A pessoa irremediavelmente infeliz e instável tem um poder de contaminação muito forte porque sua personalidade e emoções são muito intensas. Ela costuma se apresentar como vítima, o que torna difícil ver logo de início que é ela mesma a origem desse sofrimento. Até você perceber a verdadeira natureza dos seus problemas, já está contaminado. Compreenda isto: no jogo do poder, as pessoas com quem você se associa são importantíssimas. O risco de se associar a contaminadores é que você desperdiça tempo e energia preciosos para se livrar disso. Culpado por uma espécie de associação, você também será um sofredor aos olhos dos outros. Jamais subestime o perigo do contágio.

São muitos os tipos de pessoas contagiosas com os quais devemos ter cuidado; um dos mais insidiosos porém é o que sofre de insatisfação crônica. Só existe uma solução para isso: quarentena. Mas, quando você reconhece o problema, em geral já é tarde.

Como se proteger desses vírus insidiosos? A resposta está em julgar as pessoas pelos efeitos que elas exercem sobre o mundo e não pelas razões que elas dão para os seus próprios problemas. As pessoas contagiantes são reconhecidas pela infelicidade que atraem sobre si mesmas, por seu passado turbulento, pela extensa fileira de relacionamentos rompidos, por suas carreiras instáveis e pela própria força de uma personalidade que se apodera de você e o faz perder o juízo. Esteja alerta a estes sinais do contaminador; aprenda a olhar o descontente no olho. E, o mais importante, não tenha dó. Não se complique tentando ajudar. O contaminador não vai mudar, mas você se confunde.

O outro aspecto da contaminação é igualmente válido, e talvez mais fácil de compreender: há pessoas que atraem a felicidade com o seu bom humor, com a sua natural animação e inteligência. Elas são fonte de prazer e você deve se associar a elas para partilhar a prosperidade que atraem sobre si mesmas.

Não estamos falando apenas de bom humor e sucesso: todas as qualidades positivas podem nos contagiar.
Tire proveito do aspecto positivo desta osmose emocional. Se você for triste por natureza, por exemplo, jamais ultrapassará um certo limite; apenas as almas generosas atingem a grandeza. Associe-se com os generosos, portanto, e eles o contaminarão, soltando o que está apertado e contido dentro de você. Se você é melancólico, gravite em torno das pessoas animadas. Se tender ao isolamento, force-se a ser amigo do gregário. Jamais se associe com quem tem os seus mesmos defeitos — eles reforçarão tudo o que trava o seu caminho. Crie associações apenas com afinidades positivas. Que esta seja uma regra de vida, e você se beneficiará mais do que com todas as terapias do mundo.

O INVERSO

Esta lei não aceita o inverso. Sua aplicação é universal. Nada se lucra associando-se com quem pode contagiar com sua miséria; só se obtém poder e sorte associando-se com os afortunados. Ignore esta lei por sua própria conta e risco.

Reconheça o afortunado de modo a poder escolher a sua companhia, e o desafortunado para poder evitá-la. O infortúnio é em geral uma tolice, e entre os que sofrem dela não há doença mais contagiosa: Não abra a sua porta para a menor das infelicidades, pois, se o fizer, muitas outras virão em seguida... Não morra da infelicidade
Baltasar Gracián, 1601— 1658


Fonte: "As 48 leis do Poder", Robert Greene e Joost Elffers, Editora Rocco, 2000

terça-feira, 7 de janeiro de 2014

Lei 9 - Vença por suas atitudes, não discuta

Qualquer triunfo momentâneo que você tenha alcançado discutindo é na verdade uma vitória de Pirro: o ressentimento e a má vontade que você desperta são mais fortes e permanentes do que qualquer mudança momentânea de opinião. É muito mais eficaz fazer os outros concordarem com você por suas atitudes, sem dizer uma palavra. Demonstre, não explique.

O argumentador não compreende que as palavras não são neutras, e que ao discutir com um superior ele coloca em dúvida a inteligência de alguém mais poderoso do que ele. Ele também não percebe com quem está falando. Visto que todo homem acredita que está certo, e palavras raramente o convencerão do contrário, o raciocínio do argumentador cai em ouvidos surdos. Se encurralado, ele só faz acrescentar mais argumentos, cavando o seu próprio túmulo. Depois de fazer a outra pessoa se sentir insegura e inferior na sua crença, nem a eloqüência de Sócrates salva a situação.

Não se trata apenas de evitar discutir com quem está acima de você. Todos nós acreditamos que somos mestres no reino das opiniões e dos raciocínios. Você precisa tomar cuidado, portanto: aprenda a demonstrar a certeza das suas idéias indiretamente.

Na esfera do poder, você deve aprender a julgar seus movimentos por seus efeitos a longo prazo sobre as outras pessoas. O problema em tentar provar que está certo ou conseguir uma vitória com argumentos é que no final você nunca tem certeza de como isso afeta as pessoas com quem está discutindo: elas podem parecer concordar com você por educação, mas intimamente ficam magoadas. Ou talvez algo que você disse inadvertidamente até as ofendeu — as palavras têm uma insidiosa capacidade de ser interpretadas de acordo com o estado de humor ou insegurança da outra pessoa. Até mesmo o melhor argumento não tem fundamentos sólidos, pois todos nós desconfiamos da natureza escorregadia das palavras. E dias depois de concordar com alguém, com freqüência voltamos a nossa antiga opinião só por hábito.

Compreenda isto: palavras custam um tostão a dúzia. Todos sabem que, no calor da discussão, nós todos falamos qualquer coisa para defender a nossa causa. Citamos a Bíblia, mencionamos estatísticas não averiguáveis. Quem se convence com essas bolhas de ar? Atitudes e demonstrações têm muito mais poder e sentido. Elas estão ali, diante dos nossos olhos — “Sim, agora o nariz da estátua parece correto”. Não há termos ofensivos, nenhuma possibilidade de mal-entendidos. Ninguém pode discutir com uma prova visível. Como Baltasar Gracián observa, “A verdade é geralmente vista, raramente ouvida”.

Sir Christopher Wren foi a versão inglesa do homem renascentista. Ele havia dominado as ciências da matemática, astronomia, física e fisiologia. No entanto, durante a sua carreira extremamente longa como o mais famoso arquiteto da Inglaterra, seus patronos com freqüência lhe diziam para fazer alterações pouco práticas em seus projetos. Nem uma só vez ele discutiu ou ofendeu. Tinha outras maneiras de provar que estava com a razão. Em 1688, Wren projetou um magnífico prédio para a prefeitura da cidade de Westminster. O prefeito, entretanto, não ficou satisfeito; de fato, estava nervoso. Ele disse a Wren que temia que o segundo andar não estivesse firme, e que pudesse vir abaixo destruindo o seu escritório no primeiro andar. Ele exigiu que Wren acrescentasse duas colunas de pedra como um apoio extra. Wren, excelente engenheiro, sabia que estas colunas não serviriam de nada e que os temores do prefeito não tinham fundamento. Mas ele as construiu, e o prefeito agradeceu. Só anos mais tarde é que os operários em cima de um andaime alto viram que as colunas terminavam pouco antes do teto. Eram falsas. Mas os dois homens conseguiram o que desejavam: o prefeito pôde relaxar e Wren garantiu que a posteridade soubesse que o seu projeto original funcionava e que as colunas eram desnecessárias.

O poder de demonstrar a sua idéia é que os seus adversários não ficam na defensiva, e por conseguinte estão mais dispostos a ser convencidos. Fazê-los sentir literal e fisicamente o que você quer dizer é muitíssimo mais eficaz do que discutir. Um sujeito certa vez interrompeu Nikita Khrushchev no meio de um discurso em que ele denunciava os crimes de Stalin. “O senhor foi colega de Stalin”, gritou o sujeito, “por que não o impediu na época?” Khrushchev aparentemente não podia ver o cara e rosnou, “Quem disse
isso?” Ninguém levantou a mão. Ninguém moveu um músculo. Passados alguns segundos de tenso silêncio, Khrushchev disse com voz tranqüila, “Agora você sabe por que eu não o impedi”. Em vez de simplesmente argumentar que qualquer pessoa diante de Stalin teria medo, sabendo que o mais leve sinal de rebeldia significa morte certa, ele os fez sentir o que era enfrentar Stalin — os fez sentir a paranóia, o medo de falar em voz alta, o terror do confronto com o líder, neste caso, Khrushchev. A demonstração foi cabal e não se discutiu mais.

A forma de persuasão ainda mais eficaz do que a atitude é o símbolo. O poder de um símbolo — bandeira, história mítica, monumento a um episódio carregado de emoções — é que todos compreendem sem você ter de dizer nada. Quando a meta é ter poder, ou tentar conservá-lo, busque sempre a via indireta. E
também escolha com cuidado as suas batalhas. Se a longo prazo não tiver importância que a outra pessoa concorde ou não com você — ou se o tempo e a própria experiência a fizerem compreender o que você quer dizer — então é melhor nem mesmo se preocupar em mostrar nada. Poupe a sua energia e afaste-se.

O INVERSO

O argumento verbal tem uma utilidade vital na esfera do poder: distrair e ocultar suas pegadas quando você está praticando a dissimulação ou for apanhado mentindo. Nesses casos, você ganha mais argumentando com toda a convicção possível. Leve a outra pessoa a uma discussão para distraí-la dos seus movimentos dissimulados. Quando apanhado mentindo, quanto mais emocionado e seguro você parecer, menor a probabilidade de parecer que está mentindo.

Esta técnica salvou a pele de muitos charlatões. Certa vez o conde Victor Lustig, trapaceiro por excelência, tinha vendido a dezenas de vítimas em todo o país uma caixa esquisita que ele dizia ser capaz de copiar dinheiro. Vendo que tinham sido enganadas, as vítimas em geral preferiam não procurar a polícia, para não se arriscarem ao constrangimento do caso tornado público. Mas um xerife Richards, de Remsen County, em Oklahoma, não era o tipo de homem que aceitasse ser lesado em 10 mil dólares, e uma manhã seguiu Lustig até um hotel em Chicago.

Lustig ouviu baterem à porta. Ao abrir, viu o cano de uma espingarda. “Qual é o problema?”, perguntou ele calmamente. “Seu filho da mãe”, gritou o xerife, “eu vou matá-lo. Você me enganou com aquela sua caixa!” Lustig fingiu não entender. “Quer dizer que não está funcionando?”, perguntou. “Você sabe que não está”, retrucou o xerife. “Mas isso é impossível”, disse Lustig. “Não tem como não funcionar. Você usou como devia?” “Fiz exatamente o que você me disse para fazer”, disse o xerife. “Não, você deve ter feito alguma
coisa errada”, disse Lustig. A discussão não saía do lugar. O cano da espingarda foi gentilmente baixado.
Lustig passou à fase seguinte da tática da argumentação: despejou um monte de jargões técnicos sobre a operação da caixa, deixando o xerife atordoado, parecendo menos seguro e argumentando com menos insistência. “Olhe”, disse Lustig, “Vou lhe devolver o dinheiro agora mesmo. Também vou lhe dar instruções por escrito sobre o funcionamento da máquina, e vou a Oklahoma me certificar de que está funcionando corretamente. Não há o que perder num negócio desses.” O xerife concordou relutante. Para deixá-lo totalmente satisfeito, Lustig pegou cem notas de cem dólares e lhe deu, dizendo para relaxar e ter um bom final de semana em Chicago. Mais calmo e um pouco confuso, o xerife finalmente foi embora. Nos dias que se seguiram a esse encontro, Lustig conferia o jornal todas as manhãs. Acabou encontrando o que procurava: um pequeno artigo com a notícia da prisão, julgamento e condenação do xerife Richard por passar notas falsas. Lustig ganhou a discussão: o xerife nunca mais o importunou.

Não discuta. Em sociedade nada deve ser discutido: dê apenas resultados.
Benjamin Disraeli, 1804-1881


Fonte: "As 48 leis do Poder", Robert Greene e Joost Elffers, Editora Rocco, 2000

sábado, 4 de janeiro de 2014

Lei 8 - Faça as pessoas virem até você - Use uma isca, se for preciso

Quando você força os outros a agir, é você que está no controle. É sempre melhor fazer o seu adversário vir até você, abandonando seus próprios planos no processo. Seduza-o com a possibilidade de ganhos fabulosos - depois ataque, é você quem dá as cartas. Quantas vezes este cenário se repetiu na história: um líder agressivo inicia uma série de movimentos ousados que começam por lhe trazer muito poder. Lentamente, entretanto, o seu poder chega a um ponto máximo, e em breve tudo se volta contra ele. Seus inúmeros inimigos se unem; tentando manter o seu poder, ele se esgota indo de um lado para o outro e,
inevitavelmente, entra em colapso. O motivo para este padrão é que a pessoa agressiva raramente está em pleno controle da situação. Ela não enxerga mais do que um ou dois movimentos adiante, não pode ver as conseqüências deste ou daquele movimento ousado. Como está constantemente sendo forçada a reagir aos movimentos do seu crescente exército de inimigos, e às conseqüências imprevisíveis das suas próprias ações temerárias, sua energia agressiva se volta contra ela.

Na esfera do poder, você deve se perguntar, de que adianta correr daqui para ali, tentando solucionar problemas e derrotar Inimigos, se nunca me sinto no controle? Por que tenho sempre de reagir aos acontecimentos em vez de direcioná-los? A resposta é simples: A sua idéia de poder está errada. Você confunde atitudes agressivas com atitudes eficazes. E, quase sempre, o que funciona melhor é ficar parado, manter a calma, e deixar que os outros se frustrem com as armadilhas que você coloca para eles, jogando para conquistar o poder a longo prazo e não para alcançar uma vitória rápida.

Lembre-se: a essência do poder é a capacidade de ter a iniciativa, fazer com que os outros reajam aos seus movimentos, deixar o seu adversário e as pessoas ao seu redor na defensiva. Quando você faz as pessoas virem até você, de repente é você que está no controle da situação. E quem controla tem o poder. Duas coisas precisam acontecer para colocar você nesta posição: você mesmo tem de aprender a dominar suas emoções, e jamais se deixar levar pela raiva; enquanto isso, deve aproveitar a tendência natural das pessoas de reagir com raiva quando forçadas e enganadas. A longo prazo, a capacidade de fazer as pessoas virem até você é uma arma muito mais poderosa do que qualquer ferramenta agressiva.

Todos nós temos um limite para nossas energias, e há um momento em que elas estão no auge. Quando você faz com que a outra pessoa venha até você, ela se desgasta, desperdiça energia pelo caminho.
Uma outra vantagem em fazer o adversário vir até você é que isso o força a operar no seu território. Estar em terreno hostil o deixa nervoso e quase sempre ele se afoba e comete erros.

Em negociações ou reuniões, é sempre mais sensato atrair os outros para o seu território, ou para
o território que você escolher. Você tem os seus referenciais, enquanto ele não vê nada familiar e fica sutilmente colocado na defensiva. A manipulação é um jogo perigoso. Quando alguém desconfia de que está sendo manipulado, fica cada vez mais difícil de controlar. Mas quando você faz o seu adversário chegar até você, cria a ilusão de que é ele que está no controle.

Tudo depende da suavidade da sua isca. Se a sua armadilha é suficientemente atraente, a turbulência das emoções e desejos dos seus inimigos não os deixarão ver a realidade. Quanto mais gananciosos, melhor poderão ser conduzidos.

O grande barão ladrão do século XIX, Daniel Drew, era mestre em jogar na bolsa de valores. Quando queria que uma determinada ação fosse comprada ou vendida, fazendo subir ou baixar os preços, ele raramente recorria a um método direto. Um dos seus truques era passar correndo por um clube exclusivo perto de Wall Street, obviamente a caminho da bolsa de valores, e tirar do bolso o seu costumeiro lenço vermelho para secar o suor da testa. Um pedacinho de papel caía e ele fingia não perceber. Os membros do clube estavam sempre tentando prever os movimentos de Drew e pulavam em cima do papel, que invariavelmente continha uma dica sobre uma ação. A notícia se espalhava, e os membros em bando compravam ou vendiam as ações, dançando nas mãos de Drew.

Se você conseguir que as pessoas cavem as suas próprias sepulturas, por que gastar o seu suor? Os batedores de carteira são mestres nisto. A chave para bater uma carteira é saber em que bolso ela está. Batedores experientes costumam exercer o seu ofício em estações de trem e outros lugares onde existem cartazes em que se lê claramente, CUIDADO COM OS BATEDORES DE CARTEIRA. Os transeuntes, ao verem o cartaz, invariavelmente colocam a mão no bolso da carteira para ver se ela ainda está lá. Para os batedores atentos, isto é cair a sopa no mel. Sabe-se até que eles mesmos colocam os cartazes de CUIDADO COM OS BATEDORES DE CARTEIRA para garantir o seu sucesso.

Quando você faz as pessoas virem até você, às vezes é melhor deixar que elas saibam que você está forçando. Você troca a dissimulação pela manipulação declarada. As ramificações psicológicas são profundas: a pessoa que faz os outros irem até ela parece poderosa, e exige respeito.

Se numa determinada ocasião você considerar uma questão de honra as pessoas virem até você, e conseguir que elas venham, elas continuarão fazendo isso mesmo depois de você parar de tentar.

O INVERSO

Embora em geral seja mais sensato fazer os outros se exaurirem correndo atrás de você, há casos inversos em que atacar repentina e agressivamente o inimigo o desmoraliza tanto que suas energias se esvaem. Em vez de fazer os outros virem até você, você vai até eles, insiste, toma a liderança. O ataque rápido pode ser uma arma assustadora, pois força a outra pessoa a reagir sem tempo para pensar ou planejar. Sem tempo para pensar, as pessoas cometem erros de julgamento, e se colocam na defensiva. Esta tática é o oposto de esperar e colocar a isca, mas tem a mesma função: você faz o seu inimigo reagir segundo os seus próprios termos.

Um movimento rápido e imprevisto apavora e desmoraliza. Você deve escolher suas táticas de acordo com a situação. Se tiver o tempo a seu favor, e souber que você e os seus inimigos estão no mínimo em igualdade de forças, então esgote a força deles fazendo-os vir até você. Se o tempo não estiver a seu favor — seus inimigos são mais fracos, e a espera só lhes dará chance de se recuperar —, não lhes dê essa oportunidade. Ataque rapidamente e eles não terão para onde ir. Como diz o pugilista Joe Louis, “Ele corre, mas não se esconde”.

Os bons guerreiros fazem os outros irem até eles, e não vão até os outros. Este é o princípio do vazio e do cheio na relação do eu com o outro. Se você induz os adversários a virem até você, a força deles se esvazia; desde que você não vá até eles, a sua força estará sempre cheia. Atacar o vazio com o cheio é como jogar pedras em ovos.
Zhang Yu, comentarista do século XI sobre a A arte da guerra


Fonte: "As 48 leis do Poder", Robert Greene e Joost Elffers, Editora Rocco, 2000

quinta-feira, 2 de janeiro de 2014

Lei 7 - Faça com que os outros trabalhem por você mas sempre fique com o crédito

Use a sabedoria, o conhecimento e o esforço físico dos outros em causa própria. Não só essa ajuda lhe economizará um tempo e uma energia valiosos, como lhe dará uma aura divina de eficiência e rapidez. No final, seus ajudantes serão esquecidos e você lembrado. Não faça você mesmo o que os outros podem fazer por você. Muitos alimentam a ilusão de que a ciência, por lidar com fatos, está acima de rivalidades mesquinhas que atrapalham o resto do mundo. Nikola Tesla era um desses. Ele acreditava que a ciência nada tinha a ver com a política, e dizia não se preocupar com a fama ou a riqueza. Mais velho, entretanto, isto arruinou o seu trabalho científico. Sem estar associado a nenhuma descoberta em particular, ele não poderia atrair investidores para suas muitas idéias. Enquanto ele ficava imaginando grandes invenções para o futuro, outros roubavam as patentes que ele já havia desenvolvido e ficavam com a glória.

Temos duas lições: primeiro, o crédito por uma invenção ou criação é tão importante, se não mais importante, do que a própria invenção. Você deve garantir para si próprio o crédito e impedir que outros o roubem, ou fiquem pendurados nas suas costas. Para isso você deve se manter vigilante e implacável, guardar silêncio sobre a sua invenção até ter certeza de não haver nenhum abutre voando por perto. Segundo, aprenda a tirar vantagem do trabalho dos outros em causa própria. O tempo é precioso e a vida é curta. Se tentar fazer tudo sozinho, você vai se desgastar, desperdiçar energias e se queimar. É muito melhor conservar as suas forças, deitar as garras no trabalho que os outros já fizeram e descobrir um jeito de se apoderar dele. A dinâmica do mundo do poder é a da selva: há os que vivem caçando e matando, e há também um vasto número de criaturas (hienas, abutres) que vivem do que os outros caçam. Estes últimos, tipos menos imaginativos, com freqüência são incapazes de fazer o trabalho essencial para a criação de poder. Eles compreendem desde cedo, entretanto, que, se esperarem bastante, sempre encontrarão outro animal para trabalhar por eles.

Não seja ingênuo: agora mesmo, enquanto você se esforça em algum projeto, existem abutres ao redor tentando imaginar um jeito de sobreviver e até prosperar com a sua criatividade. É inútil ficar se queixando, ou sofrer amargurado, como fez Tesla. Melhor se proteger e aprender a jogar. Uma vez tendo estabelecido uma base de poder, torne-se você mesmo um abutre, e poupe um bocado do seu tempo e energia. A essência da Lei: aprenda a fazer com que os outros trabalhem por você enquanto você fica com o crédito, e parecerá que você tem energia e poder divinos. Se você acha importante fazer o trabalho todo sozinho, não irá muito longe, e vai sofrer muito. Encontre gente com as habilidades e a criatividade que você não tem. Contrateos, e coloque o seu nome em primeiro lugar na frente dos nomes deles, ou descubra um jeito de roubar o trabalho deles e dizer que foi você quem fez. A criatividade deles, portanto, se torna sua, e o mundo o verá como um gênio.

Existe uma outra aplicação desta lei que não exige que você explore o trabalho dos seus contemporâneos: use o passado, um vasto arsenal de conhecimento e sabedoria. Isaac Newton chamou isso de “subir nos ombros de gigantes”. Ele queria dizer que, ao fazer suas descobertas, ele tinha se baseado em conquistas alheias. A grande parte da sua aura de gênio, ele sabia, podia ser atribuída à sua sagaz habilidade para aproveitar ao máximo as visões dos cientistas da antigüidade, medievais ou renascentistas. Shakespeare pediu emprestado enredos, caracterizações e até diálogos de Plutarco, entre outros autores, pois sabia que ninguém suplantava Plutarco na sutil psicologia e nas citações espirituosas. Quantos outros autores depois, por sua vez, tomaram emprestado — plagiaram — de Shakespeare?

Nós sabemos como é raro os políticos atualmente escreverem os seus próprios discursos. Suas próprias palavras não lhes conquistaria um só voto; sua eloqüência e sagacidade, se ela existe, se deve a um redator de discursos. Outras pessoas fazem o trabalho, eles ficam com o crédito. O avesso é que esse tipo de poder está disponível para todos. Aprenda a usar o conhecimento do passado e você parecerá um gênio, mesmo que na realidade não passe de um esperto plagiador.

Escritores que se aprofundaram na natureza humana, antigos mestres da estratégia, historiadores da estupidez e loucura humana, reis e rainhas que aprenderam da maneira mais difícil a lidar com o peso do poder — o conhecimento deles está acumulando poeira, esperando que você suba nos seus ombros. A sagacidade deles pode ser a sua sagacidade, a capacidade deles pode ser a sua capacidade, e eles não virão dizer que você não tem nada de original. Você pode batalhar, cometer erros sem fim, gastar tempo e energia tentando fazer coisas a partir da sua própria experiência. Ou pode usar os exércitos do passado. Como disse Bismarck certa vez, “Os tolos dizem que aprendem pela experiência. Eu prefiro aproveitar a experiência dos outros”.

O INVERSO

Há momentos em que ficar com o crédito pelo trabalho dos outros não é o mais sensato: se o seu poder não está solidamente estabelecido, vai parecer que você está empurrando os outros para longe dos refletores. Para ser um brilhante explorador de talentos, a sua posição tem de ser inabalável, ou você será acusado de fraude. Tenha certeza de saber quando é interessante para você dividir o crédito com os outros. É muito importante não ser ganancioso quando se tem um mestre em posição superior. A histórica visita do presidente Richard Nixon à República Popular da China foi originalmente idéia dele, mas jamais teria se realizado não fosse a hábil diplomacia de Henry Kissinger. Nem teria tido tanto sucesso sem a habilidade de Kissinger. Não obstante, na hora de ficar com o crédito, Kissinger sabiamente deixou que Nixon ficasse com a parte do leão. Sabendo que a verdade acabaria se revelando, ele teve o cuidado de não colocar em risco a sua posição no curto prazo apropriando-se das luzes. Kissinger jogou com esperteza: ficou com o crédito pelo trabalho dos que estavam abaixo dele, enquanto graciosamente deu o crédito do seu próprio esforço aos que estavam acima. É assim que se joga.


Há muito o que saber, a vida é curta, e a vida não é vida sem conhecimento. É, por conseguinte, um excelente truque adquirir o conhecimento de todo mundo. Assim, enquanto os outros suam, você ganha a reputação de um oráculo. Baltasar Gracián, 1601-1658

Todos roubam no comércio e na indústria. Eu mesmo roubei muito. Mas eu sei como roubar. Thomas Edison, 1847-1931

Fonte: "As 48 leis do Poder", Robert Greene e Joost Elffers, Editora Rocco, 2000

quarta-feira, 1 de janeiro de 2014

Enfim, a FÓRMULA DE DEUS

Fique atento: O português desse texto está escrito no português de Portugal.


Tomás apontou para a palavra no topo da folha com a chave.

"Está a ver este nome?"

"Alberti?"

"Sim."

"O que tem ele?"

"É uma idéia inteligente, sabe? Einstein brincou aqui com o seu nome próprio, Albert. Um leigo que veja isto pensa que se trata de uma mera referência italianizada ao seu nome, mas um criptanalista logo percebe que está perante algo bem diferente."

"Ah, sim? O quê?"

"Leon Battista Alberti era um polímata florentino do século XV. Foi uma destacada figura do Renascimento italiano, uma espécie de Leonardo da Vinci em escala pequena, está a ver? Era filósofo, compositor, poeta, arquiteto e pintor, autor da primeira análise científica da perspectiva, mas também de um tratado, veja só, sobre a mosca doméstica." Sorriu. "Foi ele quem concebeu a primeira Fonte Trevi de Roma."

Greg abanou a cabeça e curvou os lábios.

"Nunca ouvi falar."

"Não é importante", disse o criptanalista com um gesto vago. "Um dia, Alberti andava a passear pelos jardins do Vaticano quando encontrou um seu amigo que trabalhava para o Papa. A conversa informal abordou alguns pontos interessantes da criptografia e encorajou Alberti a preparar um ensaio sobre o assunto. Entusiasmado, Alberti propôs uma nova forma de cifra. A sua idéia era utilizar dois alfabetos de cifra, cada letra alternando entre um e outro alfabeto, de modo a confundir os criptanalistas. Foi uma idéia genial, uma vez que implicava que a mesma letra do texto simples não aparecia necessariamente como a mesma letra no alfabeto da cifra, o que dificultava a decifração."

"Não estou a perceber."

Tomás ajeitou a folha com a chave e apontou para as linhas com os alfabetos.

"É fácil", disse. "Na primeira linha encontra-se o alfabeto simples, não é? As duas linhas de baixo são as dos alfabetos de cifra. Imagine que eu quero escrever aacc. A letra do primeiro alfabeto de cifra correspondente ao a é o f e ao c é o b, não é? E no segundo alfabeto de cifra são, respectivamente, as letras g e x. Então, a mensagem aacc, quando cifrada através deste sistema, fica fgbx, está a ver? Alternando-se a mensagem original entre os dois alfabetos, não há repetição de letras, o que dificulta a decifração."

"Ah, entendi."

"O que Einstein nos deu foi a informação de que tinha usado uma cifra de Alberti e mostrou-nos quais as duas sequências corretas dos alfabetos de cifra."

Greg apontou para a segunda linha da mensagem cifrada.

"Se utilizarmos esse método, saberemos qual a mensagem ocultada por este !ya ovqo?"

"Sim, em princípio sim."

"Então do que estamos à espera? Let's do it, pal!"

Tomás pegou na caneta e comparou cada letra aos alfabetos de cifra.

"Ora bem, vamos lá a ver o que significa este !ya ovqo." Suspirou. "O y do primeiro alfabeto de cifra corresponde a um i e o a no segundo alfabeto de cifra corresponde a um l." Rabiscou as letras. "Hmm... o o dá r e o v dá s. O q é um v e o o é um b."

A frase emergiu no papel.


!il rrsvb



"Não estou a perceber", disse Greg, carregando as sobrancelhas. "Il rsvb”? Mas o que é isto?"

"É a mensagem original cifrada por Einstein", explicou Tomás.

O americano ergueu os olhos e mirou-o com uma expressão interrogativa.

"Mas isto não significa nada..."

"Pois não."

"E então?"

"E então, temos de prosseguir a decifração, não acha?"

"Prosseguir a decifração? Como assim? Isto não está decifrado?"

"É evidente que não", exclamou Tomás. "Como você constatou, il rsvb não significa nada. O que quer dizer que apenas cumprimos um passo da decifração."

"Há mais passos, é?"

"Claro que há." Apontou para a última palavra rabiscada por baixo das linhas com os alfabetos. "Está a ver este nome aqui?"

"Sim. O que tem?"

"Consegue ler?"

Greg inclinou-se sobre o papel.

"At... uh... atbart?"

"Atbash."

"Atbask", repetiu o americano. "O que é isso?"

"O atbask é uma forma tradicional de cifra de substituição hebraica, utilizada para ocultar significados no Antigo Testamento. A idéia é pegar numa letra que está, por exemplo, a três lugares do início do alfabeto e substituí-la pela letra correspondente a três lugares do fim do alfabeto. Assim o c torna-se x, não é? A terceira letra a contar do princípio é substituída pela terceira do fim, e assim sucessivamente."

"Estou a entender."

"Há vários exemplos de atbasb no Antigo Testamento. Em Jeremias aparece por vezes a palavra chechac, começando por duas letras hebraicas shin e por um kaph. Ora, o shin é a penúltima letra do alfabeto hebraico. Substituindo-a pela segunda do alfabeto ficamos com beth. Kaph é a décima segunda letra a contar do fim, pelo que vamos substituí-la pela décima segunda letra a contar do princípio, o lamed. Portanto, o shinshinkaph, que dá chechac, torna-se beth-beth-lamed. Babel. Chechac quer dizer Babel. Entendeu?"

"Sim, é engenhoso."

"Engenhoso e simples."

"Einstein utilizou atbash nesta sua cifra?"

"É o que diz a anotação, não é? Repare. Alberti significa, como é óbvio, a cifra de Alberti, com os correspondentes alfabetos de cifra. Atbash significa que temos agora de procurar as letras simétricas correspondentes a il rsvb, não é?"

"Parece lógico", concordou Greg. "Vamos a isso?"

Tomás cravou os olhos na anotação com !il rsvb e contou a posição de cada letra no alfabeto.

"Ora, o i é a nona do princípio. A nona do fim é... uh... o r. O l é a décima segunda do princípio, o que corresponde a... a... ao o. O r dá... dá i, o s... uh... dá h, o v dá... dá e e o b remete para o... o y."

Apresentou o resultado.



!ro ihey



"O que é isto?", perguntou Greg. "Ro ihey? O que significa isso?"

O criptanalista estreitou os olhos e estudou a mensagem, intrigado.

"Realmente... uh..." gaguejou, mordendo o lábio inferior. "Não sei... não sei o que seja."

"Será uma língua estranha?"

A sugestão fez Tomás arregalar os olhos.

"Pois é óbvio que é", exclamou. "Se é um sinal do Gênesis, tem de ser em hebraico, não é?"

"E você sabe hebraico?"

"Estou a aprender", disse. "Mas já sei o suficiente para perceber que o hebraico se lê da direita para a esquerda e não da esquerda para a direita." Pegou na caneta. "Espere aí, vou pôr à nossa maneira."

Inverteu a sequência das letras.


Yehi or!



"Yehi or!", leu Greg. "O que quer dizer isso?"

Tomás empalideceu.

"Meu Deus! Meu Deus!"

"O que foi?"

"Yehi or! Não está a perceber? Yehi or!"

"Mas o que é isso?"

"See sign Gênesis. Yehi or!" Bateu com o indicador na frase rabiscada no papel. "É este o sinal do Gênesis. Yehi or!"

"Sim, mas o que significa yehi or?"

Tomás olhou para Greg e para Ariana, estupefacto, embasbacado, digerindo a enormidade do que acabara de lhe ser revelado, invadido por um tropel de imagens e sons e palavras e pensamentos que, naquele instante, como que coreografados em súbita sincronia, como uma sublime melodia que emerge da orquestra mais caótica, se encaixaram uns nos outros e extraíram da treva a verdade mais profunda.

Om.

O om primordial que criou o universo ressoou-lhe na memória pelo coro cavado dos monges tibetanos. Foi ao som penetrante do mantra fundador que se lembrou do permanente bailado de nascimento e morte, de criação e destruição, a divina coreografia incorporada na eterna dança de Shiva; e foi ainda com aquela sílaba sagrada a ecoar-lhe na mente que compreendeu o segredo da Criação, o enigma por detrás do Alfa e para além do Ômega, a equação que faz do universo o universo, o misterioso desígnio de Deus, o surpreendente objetivo da vida, o software inscrito no hardware do cosmos.

O endgame da existência.

Diante de si, rabiscada a caneta, inscrevia-se a fórmula que rompe a não-existência e tudo cria.

Tudo, incluindo o Criador.

"Tomás", insistiu o americano, impaciente, quase abanando o seu interlocutor. "O que diabo significa yehi or?"

O criptanalista olhou para ele e para Ariana, olhou-os com espanto e maravilha, olhou-os como se tivesse despertado de um longo transe e, num sopro tênue, quase temeroso, nomeou enfim a equação mágica, o enunciado a que a inteligência que se espalhar pelo universo terá um dia de recorrer para escapar ao cataclismo do fim dos tempos e começar tudo de novo.

A fórmula de Deus.

"Faça-se luz!"

O rosto de Greg permaneceu inexpressivo, como uma janela fechada que esconde o brilho do dia para lá dela, como uma tela branca que espera o pincel colorido que lhe dará vida.

"Faça-se luz?", murmurou por fim. "Não estou a perceber..."

Tomás inclinou-se para a frente, aproximando o seu rosto excitado da face opaca do americano.

"É esta a prova bíblica da existência de Deus. Faça-se luz!"

O seu interlocutor abanou a cabeça, ainda sem nada compreender.

"Desculpe, mas isso não faz qualquer sentido. Como é que esta expressão prova a existência de Deus?"

O criptanalista suspirou, impaciente.

"Ouça, Greg. A expressão em si não prova a existência de Deus. Ela tem de ser interpretada no contexto das descobertas feitas no campo da ciência, está a perceber? É essa a verdadeira razão pela qual Einstein não quis divulgar o seu manuscrito. Ele sabia que este enunciado bíblico não chegava, era necessária confirmação científica." Recostou-se no assento e arregalou os olhos, num crescente empolgamento. "Essa confirmação já surgiu. Entende? Essa confirmação já surgiu e mostra que a Bíblia, por mais incrível que pareça, encerra verdades científicas profundas. E é nesse sentido que a expressão faça-se luz! prova a existência de Deus."

"Desculpe, mas continuo sem ver essa prova. Explique lá isso melhor."

"Muito bem", exclamou Tomás, massageando o rosto com a ponta dos dedos enquanto reordenava os pensamentos. Inspirou fundo e fitou o seu interlocutor. "A Bíblia diz que o universo começou com uma explosão de luz, não é verdade? Deus disse: faça-se luz! E a luz fez-se."

"Sim."

"Einstein intuiu que este enunciado bíblico era verdadeiro. Anos depois da sua morte, a descoberta da radiação cósmica de fundo veio provar que a hipótese do Big Bang era correta. O universo nasceu de fato de uma espécie de explosão inicial, o que significa que afinal a Bíblia tinha razão: tudo começou quando a luz se fez."

"Sim."

"A questão que se coloca agora é a de determinar quem é a entidade que obrigou a luz a fazer-se."

"Está a falar de Deus..."

"Chame-lhe Deus se quiser, o nome não interessa. O que interessa é o seguinte: o universo começou com o Big Bang e vai acabar com o Big Freeze ou com o Big Crunch. Einstein suspeitava que será com o Big Crunch."

"Que é o Big Bang ao contrário."

"Exato", confirmou Tomás. Voltou a inclinar-se para a frente, irrequieto de excitação. "Agora preste atenção a isto. A revelação do Princípio Antrópico, associada à descoberta de que tudo está determinado desde o início dos tempos, demonstra que sempre houve uma intenção de criar a humanidade. O mistério é saber porquê. Por que razão se criou a humanidade? Qual o seu desígnio? Por que raio andamos aqui? Por que motivo fomos criados?"

"Mistérios insondáveis..."

"Talvez não sejam tão insondáveis quanto isso."

"O que quer você dizer? Há resposta para essas perguntas?"

"Claro que há." Acenou com a folha rabiscada, a linha yehi or! claramente visível sobre o papel. "A resposta está inscrita aqui na fórmula de Deus. Faça-se luz! Einstein concluiu que a humanidade não é o endgame do universo, mas um instrumento para se alcançar o endgame."

"Um instrumento? Não estou a entender."

"Repare na história do universo. A energia gera matéria, a matéria gera vida, a vida gera inteligência." Pausa. "E a inteligência? O que vai ela gerar?"

"Não faço a menor idéia."

"Ao identificar o faça-se luz! com a fórmula divina, Einstein foi o primeiro a responder essa pergunta."

"Ah, sim? E o que concluiu ele?"

"Deus."

"Como?"

"A inteligência gera Deus."

Greg contraiu as sobrancelhas e abanou a cabeça.

"Não sei se estou a acompanhar o seu raciocínio..."

"É muito simples", murmurou Tomás. "A humanidade foi criada para desenvolver uma inteligência ainda mais sofisticada do que a biológica. A inteligência artificial. Os computadores. Daqui a centenas de anos, os computadores serão mais inteligentes do que o homem e, dentro de milhões de anos, estarão habilitados a escapar às alterações cósmicas que ditarão o fim da vida biológica. Os seres vivos baseados no átomo de carbono não serão viáveis daqui a muitos milhões de anos, quando as condições cósmicas se alterarem, mas os seres vivos baseados noutros átomos poderão sê-lo. São os computadores. Eles vão espalhar-se pelos quatro cantos do universo e, colocados em rede daqui a milhares de milhões de anos, tornar-se-ão uma única entidade, onisciente e onipresente. Nascerá o grande computador universal. O problema é que a sua sobrevivência será ameaçada pelo Big Crunch, não é? O grande computador universal ver-se-á então colocado perante este problema: como escapar ao fim do universo? A resposta vai emergir de forma terrível." Fez uma pausa. "Não há escapatória, o fim é inexorável."

"Então acaba-se tudo."

Tomás sorriu, malicioso.

"Não exatamente. Há uma maneira de o grande computador universal garantir que voltará a existir."

O criptanalista fez uma pausa, como se quisesse criar suspense.

"Qual?", quis saber o americano.

"O grande computador universal terá de controlar ao pormenor a forma como o Big Crunch irá ocorrer. Terá de controlar tudo segundo uma fórmula que lhe permita recriar o mesmo universo depois do Big Crunch, de modo a que tudo possa voltar a existir. Tudo, incluindo ele próprio."

"Recriar tudo?"

"Sim. O grande computador universal vai desaparecer com o Big Crunch, mas, entretanto, conceberá uma fórmula que lhe permitirá reaparecer no novo universo. Essa fórmula implicará uma distribuição da energia com um rigor e afinação tais que, evoluindo depois de modo determinista segundo leis e constantes com valores devidamente definidos, permitirá que reapareça no novo universo a matéria, depois a vida e finalmente a inteligência, aplicando assim de novo o Princípio Antrópico."

"E que fórmula será essa?"

Tomás encolheu os ombros.

"Não sabemos, é algo de tão complexo que só uma superinteligência a poderá conceber. Mas a fórmula vai existir e a sua concepção está metaforicamente inscrita na Bíblia."

"Faça-se luz!", sussurrou Greg, os olhos azuis cintilando.

"Nem mais." Tomás sorriu. "Faça-se luz!" Inclinou a cabeça. "A fórmula de Deus."

"Espere um momento", cortou o americano, erguendo as mãos como quem pede um intervalo. "Você está a insinuar que Deus é um computador?"

"Toda a inteligência é computadorizada", devolveu o criptanalista num tom condescendente. "Isso foi uma coisa que eu aprendi com os físicos e os matemáticos." Bateu com o dedo na testa. "Inteligência é computação. Os seres humanos, por exemplo, são uma espécie de computadores biológicos. Uma formiga é um computador biológico simples, nós somos mais complexos. Só isso."

"Essa definição parece-me um pouco forte..."

Tomás encolheu os ombros.

"Ouça, se isso o incomoda não lhe chamemos grande computador universal, está bem? Chamemos-lhe... sei lá, chamemos-lhe... uh... inteligência criadora, grande arquiteto, entidade superior, o que você quiser. Não interessa o nome. O que interessa é que é essa inteligência que está na raiz de tudo."

"Estou a ver."

"Einstein concluiu que o universo existe para criar a inteligência que irá gerar o próximo universo. É esse o software do universo, é esse o endgame da existência. Faça-se luz! é a metáfora bíblica para a fórmula da criação do universo, a fórmula que o grande computador universal irá enunciar quando ocorrer o Big Crunch, a fórmula que provocará um novo Big Bang e tudo irá recriar. Tudo, incluindo Deus. O objetivo último do universo é recriar Deus e nós não passamos de um instrumento desse ato."

Os olhos do americano dançaram entre Tomás e Ariana. Olhou para o rascunho que o criptanalista segurava com intensidade entre os dedos e compreendeu enfim o derradeiro segredo de Einstein — a revelação da existência de Deus, do propósito do universo, do desígnio da humanidade.

"Isso é... é incrível."

Tomás não respondeu. Abriu a porta do carro e espreitou para a rua. Já não chovia; uma aragem fresca acariciou-lhe o rosto, era leve e pura, quase perfumada de tão límpida. Pequenas poças de água espalhavam-se pelo passeio e pela estrada, cristalinas, refletindo como espelhos o céu denso, era como se a chuva tudo tivesse lavado. A manhã pintava-se de azul, serena e melancólica, respirando ao ritmo das bátegas de água que pingavam grossas das folhas e tombavam no solo húmido com estalidos molhados, quase musicais. A luz do sol espraiava-se com bonomia, filtrada suavemente pelas nuvens que se afastavam lá em cima, umas carregadas e pachorrentas, outras pálidas e ligeiras.

O historiador endireitou-se cá fora, deu a mão a Ariana e ajudou-a a sair. Os seguranças americanos, que se tinham refugiado por baixo de um carvalho frondoso e ainda lacrimejante, aproximaram-se e interrogaram Greg com os olhos, como se pedissem instruções. O adido fez-lhes um sinal silencioso com a cabeça, estava tudo bem, e os homens descontraíram.

Antes de se afastar, Tomás voltou-se para a porta da limusina e encarou Greg uma derradeira vez.

"É estranho como durante tanto tempo a humanidade em geral intuiu a verdade intrínseca por detrás do universo", comentou. "Já reparou nisso?"

"O que quer você dizer?"

"Antes de morrer, o meu pai contou-me que os hindus consideram que tudo é cíclico. O universo nasce, vive, morre, entra na não-existência e volta a nascer, num ciclo infinito, num eterno retorno a que chamam a noite e o dia de Brahman. A história hindu da criação do mundo é a do ato pelo qual Deus se torna o mundo, o qual se torna Deus."

"Espantoso."

Tomás sorriu.

"É, não é?" Respirou fundo. "Ele recitou-me também um interessante aforismo de Lao Tzu, um poema taoísta que encerra o segredo do universo. Quer ouvir?"

“Sim.”

Um súbito sopro de vento agitou os carvalhos, agreste e violento, arrancando folhas e vergastando os vultos sombrios que rodeavam a limusina molhada. Parecia agora que o céu uivava, ululando de modo quase sinistro, como se tentasse romper a doce brandura que se instalara depois da chuva, como se ameaçasse desencadear um novo e punitivo dilúvio, como se clamasse vingança por ver arrancado ali o seu mistério mais profundo.

Mas Tomás não se intimidou e recitou o poema como se ainda o escutasse dos lábios trêmulos do pai; recitou-o com fervor, com paixão, com a intensidade de quem sabe que encontrou o caminho e que percorrê-lo é o seu destino.


"No fim do silêncio está a resposta,
No fim dos nossos dias está a morte.
No fim da nossa vida, um novo início."


Um novo início.


Texto extraído do livro "A fórmula de Deus", escrito por José Rodrigues dos Santos, editora Record, 2008.