sábado, 1 de março de 2014

Lei 24 - Represente o cortesão perfeito

O cortesão perfeito prospera num mundo onde tudo gira em torno do poder e da habilidade política. Ele domina a arte da dissimulação; ele adula, cede aos superiores, e assegura o seu poder sobre os outros da forma mais gentil e dissimulada. Aprenda e aplique as leis da corte e não haverá limites para você.

Fonte: "As 48 leis do Poder", Robert Greene e Joost Elffers, Editora Rocco, 2000

terça-feira, 25 de fevereiro de 2014

Lei 23 - Concentre suas forças

Preserve suas forças e sua energia concentrando-as no seu ponto mais forte. Ganha-se mais descobrindo uma mina rica e cavando fundo do que pulando de uma mina rasa para outra – a profundidade derrota a superficialidade sempre. As procurar fontes de poder para promove-lo, descubra um patrono-chave, a vaca cheia de leite que o alimentará durante muito tempo.

O mundo está passando por uma epidemia de divisões cada vez maiores — dentro de países, grupos políticos, famílias, até indivíduos. Estamos todos num estado de total distração e difusão, mal conseguimos colocar nossas cabeças numa direção e já estamos sendo puxados para centenas de outras. O nível de conflito no mundo moderno está mais alto do que nunca, e já nos acostumamos com isso. A solidão é uma forma de nos retirarmos para dentro de nós mesmos, para o passado, para formas mais concentradas de pensamento e ação. Como escreveu Schopenhauer, “O intelecto é uma medida de profundidade, não uma medida de superficialidade”. Napoleão conhecia o valor de concentrar suas forças no ponto fraco do inimigo — era o segredo do seu sucesso nos campos de batalha. Mas a sua força de vontade e a sua mente também estavam moldados segundo esta noção. O propósito único, a total concentração na meta, e o uso destas qualidades contra pessoas menos concentradas, pessoas distraídas — a flecha acertará sempre o alvo e conquistará o inimigo.

Casanova atribuía o seu sucesso na vida a sua capacidade de se concentrar num único objetivo e forçar até ele ceder. Foi a sua capacidade de se entregar totalmente às mulheres que desejava que o tornava tão sedutor. Durante as semanas ou meses em que uma destas mulheres vivia na sua órbita, ele não pensava em mais ninguém. Quando esteve preso nas traiçoeiras “passagens” do palácio dos doges em Veneza, prisão de onde ninguém jamais escapara, ele só pensava na fuga como seu único objetivo, dia após dia. Uma mudança de cela, que significou meses e meses de escavações inúteis, não o desencorajou; ele persistiu e acabou fugindo. “Sempre acreditei”, escreveu ele mais tarde, “que se um homem coloca na cabeça que vai fazer uma coisa, e se ele se ocupa exclusivamente disso, acaba conseguindo, por mais difícil que seja. Esse homem se tornará grão-vizir ou Papa.”

Concentre-se numa única meta, uma única tarefa, e insista até conseguir. No mundo do poder, você está sempre precisando da ajuda dos outros, em geral daqueles que têm mais poder do que você. O tolo pula de um para o outro, acreditando que sobreviverá se espalhando. Mas um dos corolários da lei de concentração é que se economiza muita energia, e se obtém mais poder, fixando-se a uma única fonte adequada de poder. O cientista Nikola Tesla se arruinou acreditando que conservaria a sua independência se não tivesse de servir a um único senhor. Ele até rejeitou a oferta de J.P. Morgan, que lhe ofereceu um rico contrato. No final, a “independência” de Tesla significava que ele podia não depender de um único patrono, mas estava sempre tendo de adular uma dúzia deles. No final da vida, ele percebeu o seu erro.

Todos os grandes pintores e escritores renascentistas se debateram com este problema, não mais do que o escritor seiscentista Pietro Aretino. Ao longo de toda a sua vida, Aretino passou pela indignidade de ter que agradar a este ou aquele príncipe. Ele acabou dando um basta e foi cortejar Carlos V, prometendo ao imperador os serviços da sua poderosa pena. Finalmente ele descobriu a liberdade de servir a uma única fonte de poder. Michelangelo descobriu esta liberdade com o papa Júlio II, Galileu com os Medici. No final, o patrono único aprecia a sua lealdade e passa a depender dos seus serviços; com o tempo, o senhor serve ao escravo. Finalmente, o poder está sempre concentrado.

Em qualquer organização é inevitável que um pequeno grupo controle tudo. E quase sempre não são aqueles com títulos. No jogo do poder, apenas o tolo golpeia aqui e ali sem fixar a sua meta. É preciso descobrir quem controla as operações, quem realmente dirige a cena por trás dos bastidores. Como Richelieu descobriu no início da sua ascensão ao topo do cenário político francês, no início do século XVII, não era o rei Luís XIII que decidia as coisas, era a mãe dele. Portanto ele se ligou a ela, e passou por cima de todos os níveis dos cortesãos, direto para o topo.

Basta encontrar petróleo uma vez — sua riqueza e poder estão garantidos para o resto da vida. A melhor estratégia é ser sempre muito forte; primeiro, em geral, depois no momento decisivo... Não há lei de estratégia melhor e mais simples do que manter as própri as forças concentradas... Em resumo, o primeiro princípio é: aja com a máxima concentração. 
Da guerra, Carl von Clausewitz, 1780-1831



Preze a profundidade mais do que a superficialidade. A perfeição está na qualidade, não na quantidade. O superficial não sai da mediocridade, e a desgraça dos homens com interesses amplos e generalizados é que enquanto desejam comandar tudo acabam não comandando nada. A profundidade dá fama, e equivale ao heroismo em questões sublimes. 
Baltasar Gracián, 16014658



O INVERSO

A concentração pode ser perigosa, e há momentos em que a dispersão é a tática adequada. Lutando contra os nacionalistas pelo controle da China, Mao Tsé-tung e os comunistas fizeram uma guerra de retração em várias frentes, usando como suas principais armas a sabotagem e as emboscadas. A dispersão costuma ser adequada para o lado mais fraco; ela é, de fato, o princípio crucial das guerrilhas. Ao lutar contra um exército superior, concentrando suas forças você só se torna um alvo mais fácil — melhor se dispersar no cenário e frustrar seu inimigo com a intangibilidade da sua presença.

Ligar-se a uma única fonte de poder tem um grande perigo: se a pessoa morre, vai embora ou çai em desgraça, você sofre.

Isso é bastante prudente em épocas de grandes tumultos e mudanças violentas, ou quando seus inimigos são numerosos. Quanto mais patronos e senhores você tiver, menor o risco que você corre se um deles perder o poder. Essa dispersão até permitirá que você jogue um contra o outro. Mesmo que você se concentre numa única fonte de poder, continua tendo de ter cautela, e se preparar para o dia em que o seu senhor, o patrono, não estiver mais aqui para protegê-lo.

Finalmente, exagerar num propósito único pode fazer de você um chato insuportável, especialmente nas artes. O pintor renascentista Paolo Uccello era tão obcecado com a perspectiva que suas pinturas chegam a parecer monótonas e falsas, enquanto Leonardo da Vinci se interessava por tudo — arquitetura, pintura, guerra, escultura, mecânica. A descentralização foi a fonte do seu poder. Mas gênios assim são raros; quanto ao restante de nós, é melhor pender para o lado da profundidade.


Fonte: "As 48 leis do Poder", Robert Greene e Joost Elffers, Editora Rocco, 2000

sábado, 22 de fevereiro de 2014

Lei 22 - Use a tática da rendição: transforme a fraqueza em poder

Se você é o mais fraco, não lute só por uma questão de honra; é preferível se render. Rendendo-se, você tem tempo para se recuperar, tempo para atormentar e irritar o seu conquistador, tempo para esperar que ele perca o seu poder. Não lhe dê a satisfação de lutar e derrotar você – renda-se antes. Oferecendo a outra face, você o enraivece e desequilibra. Faça da rendição um instrumento de poder. Se você é a parte mais fraca, não lucrará nada metendo-se numa briga inútil. Ninguém aparece para ajudar os fracos – isso só traz prejuízos. Os fracos estão sozinhos e devem se entregar. Lutar não lhe dará nada. além do martírio, e muita gente que não acredita na sua causa morrera.

Fraqueza não é pecado, e pode até se tornar uma força se você aprender a jogar corretamente.

A sorte muda e os poderosos quase sempre são derrubados. A rendição disfarça um grande poder: despertando a complacência do inimigo, você tem tempo para se recuperar, tempo para ir minando o terreno, tempo para se vingar. Não sacrifique este tempo em troca do mérito de participar de uma batalha da qual não sairá vencedor. O que nos causa problemas na esfera do poder é quase sempre a nossa própria reação exagerada aos movimentos de nossos inimigos e rivais. Esse exagero cria dificuldades que teríamos evitado se fôssemos mais sensatos. Tem também um efeito ricochete interminável, pois o inimigo vai reagir com o mesmo exagero, como os atenienses fizeram com os melianos. O nosso primeiro instinto é sempre o de reagir, enfrentar a agressão com outra agressão. Mas, da próxima vez que alguém lhe der um empurrão e você perceber que está começando a reagir, experimente isto: não resista nem brigue, ceda, dê a outra face, curve-se. Verá que isso quase sempre neutraliza o comportamento deles — eles esperavam, até queriam que você reagisse com energia e foram, portanto, apanhados desprevenidos e a sua não-resistência os deixou confusos. Na verdade, ao ceder você passa a controlar a situação, porque isso faz parte de um plano maior para que eles acreditem que o derrotaram.

Esta é a essência da tática da rendição; no íntimo você permanece firme, mas por fora você se inclina. Sem mais motivos para se zangar, seus adversários ficam confusos. É improvável que reajam com mais violência, o que exigiria de você uma reação. Em vez disso, você tem tempo e espaço para armar um contramovimento para derrubá-los. No confronto entre o inteligente e o bruto agressivo, a tática da rendição é a melhor arma. Mas é preciso ter autocontrole: quem se rende de fato perde a liberdade, e pode ser esmagado pela humilhação da derrota. Você deve se lembrar de só parecer que está se rendendo, como o animal que se finge de morto para salvar a pele. Vimos que é melhor se render do que brigar: diante de um adversário mais forte e da garantia de uma derrota, quase sempre é melhor se render do que sair correndo. Na hora, a fuga pode ser a salvação, mas o agressor acabará alcançando você. Rendendo-se, entretanto, você terá oportunidade de se enroscar no inimigo e atacá-lo com unhas e dentes bem de perto.

Quando o comércio exterior começou a ameaçar a independência do Japão, em meados do século XIX, os japoneses discutiram como derrotar os estrangeiros. Um ministro, Hotta Masayoshi, escreveu um memorando em 1857 que influenciou a política japonesa durante muitos anos: “Estou, portanto, convencido de que a nossa política deveria ser fazer alianças cordiais, enviar navios a todos os países estrangeiros e fazer comércio com eles, copiar os estrangeiros naquilo que eles fazem melhor, reparando assim as nossas próprias deficiências, incentivando a nossa força nacional e completando nossos armamentos, e submeter, assim, gradualmente, os estrangeiros à nossa influência até que, no final, todos os países do mundo conheçam as bênçãos da perfeita tranqüilidade e a nossa hegemonia seja reconhecida no mundo inteiro.”

Esta é uma aplicação brilhante da lei: Use a rendição para ter acesso ao inimigo. Aprenda com ele, insinue-se lentamente, conforme-se externamente aos seus hábitos, mas no íntimo conserve a sua própria cultura. No fim você sairá vitorioso, pois enquanto ele o considera fraco e inferior, e não toma nenhuma precaução para se defender, você usa este tempo para se recuperar e ficar mais forte do que ele. Esta forma branda e permeável de invasão quase sempre é a melhor, pois o inimigo nenhum motivo tem para reagir, nada para se preparar, ou resistir. E se os japoneses tivessem resistido à influência ocidental pela força, poderiam ter sofrido uma devastadora invasão que alteraria para sempre a sua cultura.

A rendição também é uma forma de você rir do inimigo, de virar o poder contra eles mesmos, como fez Brecht. O romance A brincadeira, de Milan Kundera, baseado nas experiências do autor numa colônia penal na Tchecoslováquia, conta que os guardas da prisão organizaram uma corrida de revezamento, guardas contra prisioneiros. Para eles esta era uma chance de exibir a sua superioridade física. Os prisioneiros sabiam que era para eles perderem, por isso fizeram tudo para agradar — fingindo um esforço exagerado enquanto mal se mexiam, caindo no chão depois de correr só alguns metros, capengando, andando cada vez mais devagar enquanto os guardas disparavam na frente. Aceitando ao mesmo tempo participar da corrida e perder, ele tinham obedecido aos guardas; mas o excesso de obediência tomou o evento ridículo a ponto de arruiná-lo. A “superobediência” — a rendição — nesse caso foi uma demonstração de superioridade ao inverso. A resistência teria colocado os prisioneiros num ciclo de violências, rebaixando-os ao nível dos guardas. A superobediência, entretanto, colocou os guardas numa situação ridícula, mas eles não podiam punir justamente os prisioneiros que só fizeram o que eles tinham pedido. O poder está sempre fluindo — visto que o jogo é por natureza fluido e uma arena de lutas constantes, quem está com o poder quase sempre acaba se encontrando na descida do pêndulo. Se você se vir temporariamente enfraquecido, a tática da rendição é perfeita para levá-lo para cima de novo — ela disfarça a sua ambição; ensina a você a paciência e o autocontrole, habilidades-chave para o jogo, e o coloca na melhor posição possível para tirar vantagem do súbito deslize do seu opressor. Se você foge ou revida, não poderá vencer a longo prazo. Se você se rende, é quase certo sair vitorioso.

Ouvistes o que foi dito: Olho por olho, dente por dente. Eu, porém, vos digo: Não resistais ao perverso; mas a qualquer que vos ferir a face direita, voltai-lhe também a outra; e ao que quer demandar convosco e tirar-vos a túnica, deixai-lhe também a capa. Se alguém vos obrigar a andar uma milha, ide com ele duas.
Jesus Cristo, em Mateus, 5:38-41

Os fracos jamais cedem quando deveriam.
Cardeal de Retz, 16 13-1679

Voltaire vivia exilado em Londres numa época em que estava no auge ser contra os franceses. Um dia, caminhando pelas ruas, ele se viu cercado por uma multidão irada. “Enforquem-no, enforquem o francês”, gritavam. Voltaire calmamente se dirigiu a turba dizendo o seguinte: Ingleses! Desejam me matar porque sou francês. Já não fui punido o suficiente por não ter nascido inglês?” A multidão aplaudiu as suas palavras sensatas e o escoltaram de volta aos seus alojamentos.
The Little, Brown - Book Of Anecdotes, Clifton Fadiman Ed. 1985

Lembre-se: quem está tentando exibir a sua autoridade ilude-se facilmente com a tática da rendição. Se você se mostra submisso, eles se sentem importantes. Contentes, porque estão sendo respeitados, tornam-se alvos mais fáceis para um contra-ataque, ou para uma zombaria dissimulada como fez Brecht. Ao avaliar o seu poder ao longo do tempo, não sacrifique a capacidade de manobra a longo prazo pelas glórias efêmeras do martírio. Quando o grande senhor passa, o camponês sábio se inclina profundamente e peida em silêncio. 
Provérbio etíope


O INVERSO

O objetivo da rendição é salvar a sua pele para quando você puder se firmar novamente. É para evitar o martírio que alguém se rende, mas há momentos em que o inimigo não descansa, e o martírio parece ser a única escapatória. Além do mais, se você estiver disposto a morrer, outros poderão tirar do seu exemplo poder e inspiração.

Mas o martírio, o inverso da rendição, é uma tática confusa, pouco precisa, e tão violenta quanto a agressão que ele combate. Para cada mártir famoso existem milhares que não inspiraram religiões nem rebeliões, de forma que, se o martírio às vezes confere um certo poder, isso é imprevisível. E, o que é mais importante, você não estará por aqui para usufruir desse poder. E existe decididamente algo de egoísmo e arrogância nos mártires, como se achassem que seus seguidores são menos importantes do que a sua própria glória. Quando o poder o abandona, é melhor ignorar esta inversão da Lei. Deixe para lá o martírio: o pêndulo acaba oscilando para o seu lado novamente, e você precisa estar vivo para ver isso.

Fonte: "As 48 leis do Poder", Robert Greene e Joost Elffers, Editora Rocco, 2000

terça-feira, 18 de fevereiro de 2014

Lei 21 - Faça-se de otário para pegar os otários - pareça mais bobo do que o normal

Ninguém gosta de se sentir mais idiota do que o outro. O truque, portanto, é fazer com que suas vítimas se sintam espertas – e mais espertas que você. Uma vez convencidas disso, elas jamais desconfiarão que você possa ter segundas intenções. A sensação de que alguém é mais inteligente do que nós é quase insuportável. Em geral tentamos justificá-la de várias maneiras: “O conhecimento dele é só teoria, enquanto o meu se baseia na realidade.” “Os pais dela pagaram para ela estudar. Se meus pais tivessem tido tanto dinheiro assim, se eu tivesse sido privilegiado Ele não é tão inteligente quanto pensa”. E: “Ela pode conhecer melhor do que eu a sua areazinha restrita, mas fora disso ela não é nem um pouco esperta. Até Einstein era um idiota, quando não se tratava de física”.

Visto que a ideia de inteligência é tão importante para a vaidade da maioria das pessoas, é importante não insultar ou impugnar jamais, inadvertidamente, o poder do cérebro de uma pessoa. Esse é um pecado imperdoável. Mas, se você conseguir tirar vantagem desta regra, ela abrirá para você todas as portas para a fraude. Subliminarmente, assegure às pessoas de que elas são mais inteligentes do que você, ou mesmo que você é um tanto bronco, e vai conseguir fazer delas o que você quiser. A sensação de superioridade intelectual que você lhes dá afrouxará as suas desconfianças.

Em 1865, o conselheiro prussiano Otto von Bismarck queria que a Áustria assinasse um determinado tratado. Esse tratado era totalmente a favor da Prússia e contra os interesses da Austria, e Bismarck teria de lançar mão de estratégias para convencer os austríacos. Mas o negociador austríaco, conde Blome, era um ávido jogador de cartas. Seu jogo preferido era o quinze, e ele costumava dizer que podia julgar o caráter de um homem pelo seu estilo de jogar. O prussiano mais tarde escreveria, “Foi a última vez que joguei quinze. Fui tão imprudente que todos ficaram atônitos. Perdi vários táleres [a moeda da época], mas consegui enganar [Blome], porque ele achou que eu era mais irresponsável do que sou na verdade, e recuou”. Além de parecer afoito, Bismarck também se fez de ignorante e tolo, dizendo coisas absurdas e se pavoneando com um excesso de energia nervosa.

Tudo isso fez Blome achar que ele tinha informações valiosas. Ele sabia que Bismarck era agressivo — o prussiano já tinha essa fama, e o modo como jogava confirmava isso. E homens agressivos, Blome sabia, podem ser tolos e imprudentes. Por conseguinte, na hora de assinar o tratado, Blome achou que estava levando vantagem. Um tolo afoito como Bismarck, ele pensou, é incapaz de calcular e enganar a sangue-frio, por isso só olhou o tratado de relance antes de assinar — não leu as letrinhas miúdas. Assim que a tinta secou, um alegre Bismarck exclamou na sua cara, “Ora, pensei que eu não fosse encontrar um diplomata austríaco disposto a assinar esse documento!”

Os chineses têm um ditado, “Vestir a máscara do porco para matar o tigre”. É uma referência a uma antiga técnica de caça em que o caçador se cobre com a pele e o focinho de um porco, e sai grunhindo. O poderoso tigre pensa que um porco vem chegando, deixa-o se aproximar, saboreando a perspectiva de uma refeição fácil. Mas é o caçador quem ri por último.

Mascarar-se de porco funciona muito bem com quem, como os tigres, é muito arrogante e seguro de si. Quanto mais eles acham que é fácil apanhar você, mais facilmente você vira a mesa. Este truque também é útil se você for ambicioso, mas ocupa uma posição inferior na hierarquia — aparentar ser menos inteligente do que é, até meio tolo, é o disfarce perfeito. Pareça um porco inofensivo e ninguém acreditará que tem ambições perigosas. Podem até promovê-lo, pois você parece tão agradável e subserviente. Cláudio, antes de se tornar imperador de Roma, e o príncipe da França que mais tarde se tornou Luís XIII usavam esta tática quando seus superiores desconfiavam de que tinham pretensões ao trono. Bancando os tolos quando jovens, eles foram deixados em paz. Quando chegou a hora de atacar, e agir com vigor e decisão, eles apanharam todos desprevenidos.

A inteligência é a qualidade óbvia para ser minimizada, mas por que parar por aí? Gosto e sofisticação estão no mesmo nível da inteligência na escala das vaidades; faça as pessoas se sentirem mais sofisticadas do que você e elas baixarão a guarda. Deixe sempre as pessoas acreditarem que são mais espertas e mais sofisticadas do que você. Elas os manterão por perto porque você as faz se sentir melhor, e quanto mais você ficar por perto, mais chances terá de enganá-las.

Saiba usar a burrice: o homem sábio usa esta carta às vezes. Há momentos em que a maior sabedoria é parecer não saber nada — você não precisa ser ignorante, basta ser capaz de fingir que é. Não é muito bom ser sábio entre tolos e lúcido no meio de lunáticos. Quem se faz de tolo não é tolo, a melhor maneira de ser bem recebido por todos é fingindo ser um grande idiota. 
Baltasar Gracián, 1601-1658



Ora, não há nada de que um homem se orgulhe mais do que da sua capacidade intelectual, pois é ela que o coloca no comando do mundo animal. E muita imprudência deixar que alguém o veja como decididamente superior nesse ponto, e deixar que outras pessoas vejam isso também... Por conseguinte, embora a classe social e o dinheiro possam sempre contar com um tratamento privilegiado na sociedade, com isso a capacidade intelectual não pode contar: o maior favor que podem prestar á inteligência é ignorá-la; e se as pessoas a percebem, é porque a consideram uma impertinência, ou algo a que o seu possuidor não tem nenhum direito legítimo, e do qual ele apenas ousa se orgulhar; e, em retaliação e vingança por sua conduta, as pessoas secretamente tentam humilhá-lo de alguma outra forma; e se demoram para fazer isso é só porque esperam pela ocasião mais adequada. 
Um homem pode ser o mais humilde possível nesse sentido, e ainda assim dificilmente conseguirá que as pessoas lhe perdoem o pecado de se colocar intelectualmente acima delas. Em Garden of Roses, Sadi observa: Você deveria saber que os tolos são cem vezes mais avessos a se encontrar com o sábio do que o sábio tem disposição para estar em companhia de tolos. Por outro lado, ser idiota é uma recomendação verdadeira. Pois assim como o calor é agradável ao corpo, também é agradavelmente sentir a sua superioridade; e o homem procura a companhia que vai lhe dar essa sensação, tão instintivamente quanto ele se aproxima da lareira ou caminha no sol quando quer se aquecer. Mas isto significa que ele não agradará por sua superioridade; e, se um homem quer agradar, deve ser intelectualmente inferior.
ARTHUR SCHOPENHAUER, 1788-1860


O INVERSO

Raramente vale a pena revelar a verdadeira natureza da sua inteligência; você deve criar o hábito de minimizá-la sempre. Se as pessoas inadvertidamente ficarem sabendo da verdade — que você é mesmo mais esperto do que parece — vão admirá-lo ainda mais por ser discreto e não ficar se exibindo. No início da sua ascensão, é claro, você não pode bancar o idiota; é bom deixar que seus chefes saibam, sutilmente, que você é mais esperto do que os seus concorrentes. A medida que você for subindo, entretanto, tente brilhar menos.

Existe, no entanto, uma situação em que vale a pena fazer o contrário —quando você pode encobrir uma trapaça demonstrando inteligência. Quando se trata de esperteza, como na maioria das coisas, o importante são as aparências.. Se você parece ter autoridade e conhecimento, as pessoas acreditarão no que você diz. Isto pode servir para livrá-lo de uma enrascada.

Certa vez, o marchand Joseph Duveen estava numa festa, em Nova York, na casa de um magnata a quem acabara de vender um quadro de Dürer por um preço altíssimo. Um dos convidados era um jovem crítico de arte francês que parecia extremamente culto e seguro de si. Querendo impressioná-lo, a filha do magnata lhe mostrou o Dürer, que ainda não estava pendurado na parede. O crítico estudou-o alguns minutos, depois disse, “Sabe, não acho que isto seja um Dürer”. Ele seguiu a jovem quando ela foi correndo contar para o pai. “Sabe, meu jovem, que pelo menos uns vinte especialistas em arte, aqui e na Europa, foram consultados também e disseram que o quadro não é autêntico? E agora você cometeu o mesmo engano.” O seu tom confiante e o ar de autoridade intimidaram o francês, que se desculpou pelo erro.

Duveen sabia que o mercado de arte estava inundado de fraudes, e que muitos quadros tinham sido falsamente atribuídos a antigos mestres. Ele fazia o possível para distinguir o verdadeiro do falso mas, no afã de vender uma obra, com freqüência exagerava a sua autenticidade. O importante para ele era que o comprador acreditasse que tinha comprado um Dürer, e que o próprio Duveen convencesse todos da sua “perícia” com seu ar de impecável autoridade. Por isso é importante ser capaz de bancar o professor, quando necessário, e não impor aos outros essa atitude à toa.


Fonte: "As 48 leis do Poder", Robert Greene e Joost Elffers, Editora Rocco, 2000

sábado, 15 de fevereiro de 2014

Lei 20 - Não se comprometa com ninguém

Tolo é quem se apressa a tomar um partido. Não se comprometa com partidos ou causas, só com você mesmo. Mantendo-se independente, você domina os outros – colocando as pessoas umas contra as outras, fazendo com que sigam você.

PARTE 1: NÃO SE COMPROMETA COM NINGUÉM, MAS SEJA CORTEJADO POR TODOS

Deixando que outros sintam que o possuem de alguma forma, você perde o poder sobre eles. Não comprometendo seus afetos, eles se esforçarão mais para conquistá-lo. Mantenha-se distante e você conquistará o poder que vem das atenções e dos desejos frustrados dessas pessoas. Faça o papel da Rainha Virgem: Dê esperanças, jamais a satisfação.

Visto que o poder depende tanto das aparências, você precisa aprender alguns truques para realçar a sua imagem. Recusar comprometer-se com alguém ou com um grupo é um deles. Quando você se retrai, não desperta raiva, mas um certo respeito. Você parece instantaneamente poderoso porque se torna inatingível, em vez de se render a um grupo ou a um relacionamento, como faz a maioria das pessoas. Com o tempo, essa aura de poder só faz crescer: conforme aumenta a sua reputação de pessoa independente, mais desejado você será, todos querendo ser aquele que fará você se comprometer. O desejo é como um vírus: se vemos alguém ser desejado por outras pessoas, tendemos a achá-lo desejável também.

Assim que você se compromete, foi-se o encanto. Você se torna igual a todo mundo. As pessoas tentarão todos os métodos escusos possíveis para levar você a um compromisso. Vão lhe dar presentes, encher você de favores, tudo para colocá-lo na situação de devedor. Incentive as atenções, estimule os interesses, mas não se comprometa de forma alguma. Aceite os presentes e favores se assim desejar, mas tenha o cuidado de se manter intimamente distante. Você não pode se permitir, inadvertidamente, sentir-se devedor com relação a ninguém. Mas lembre-se: o objetivo não é livrar-se das pessoas, ou fazer com que elas achem que você é incapaz de um compromisso. Como a Rainha Virgem, você tem que agitar as coisas, estimular o interesse, atrair as pessoas com a possibilidade de ficar com você. Você tem de se dobrar às suas atenções ocasionalmente, portanto — mas não demais. O general e estadista grego, Alcibíades, era mestre neste jogo. Foi ele quem inspirou e liderou a forte armada ateniense que invadiu a Sicília em 414 a.C. Quando, em casa, os invejosos atenienses tentaram derrubá-lo com acusações falsas, ele passou para o lado do inimigo, os espartanos, para não ter de enfrentar um julgamento na sua própria cidade. Depois, quando os atenienses foram derrotados em Siracusa, ele trocou Esparta pela Pérsia, apesar de o poder de Esparta estar em ascensão. Mas agora, tanto os atenienses quanto os espartanos cortejavam Alcibíades por sua influência com os persas; e os persas o enchiam de homenagens devido ao seu poder sobre os atenienses e espartanos. Ele distribuía promessas para todos os lados, mas não se comprometia com nenhum, e no final quem dava as cartas era ele.

Se você quer ter poder e influência, experimente a tática de Alcibíades: coloquese no meio de duas forças concorrentes. Atraia um dos lados prometendo ajuda; o outro, sempre querendo superar o inimigo, seguirá você também. Enquanto os dois disputam a sua atenção, você se torna logo uma pessoa que parece muito desejada e de grande influência. Você terá mais poder assim do que se comprometendo precipitadamente com um dos lados. Para aperfeiçoar a sua tática, você tem de se manter intimamente livre de envolvimentos emocionais, e ver todos a seu redor como peões para a sua ascensão. Você não pode se permitir servir de lacaio de nenhuma causa.

No meio das eleições presidenciais nos Estados Unidos, em 1968, Henry Kissinger telefonou para a equipe de Richard Nixon. Kissinger se aliara a Nelson Rockefeller, que tinha falhado na sua tentativa de ser indicado pelo partido Republicano. Agora Rockefeller estava oferecendo à campanha de Nixon informações privilegiadas de grande valor sobre as negociações para a paz no Vietnã, que estavam sendo realizadas em Paris. Ele tinha um homem no grupo de negociadores que o mantinha informado sobre os últimos acontecimentos. A equipe de Nixon aceitou com prazer a oferta.

Ao mesmo tempo, entretanto, Kissinger também abordou o candidato dos democratas, Hubert Humphrey, e ofereceu a sua ajuda. O pessoal de Humphrey lhe pediu informações confidenciais sobre Nixon, e ele deu. “Veja”, disse Kissinger ao pessoal de Humphrey, “há anos que detesto o Nixon.” De fato, ele não tinha interesse em nenhum dos dois lados. O que ele queria na verdade foi o que conseguiu: a promessa de um posto de alto nível no ministério, tanto de Nixon quanto de Humphrey. Não importando qual dos dois vencesse nas eleições, a carreira de Kissinger estava garantida.

O vencedor, claro, foi Nixon, e Kissinger teve o seu cargo no ministério. Mesmo assim, ele teve o cuidado de não se parecer demais com um homem de Nixon. Quando ele foi reeleito, em 1972, homens muito mais fiéis do que Kissinger foram despedidos. Kissinger foi também o único alto funcionário do governo Nixon que sobreviveu a Watergate e serviu ao presidente seguinte, Gerald Ford. Mantendo uma ligeira distância, ele prosperou em épocas turbulentas.

Quem usa esta estratégia com freqüência nota um estranho fenômeno: as pessoas que correm para apoiar os outros tendem a ser pouco respeitadas, pois sua ajuda é obtida com muita facilidade, enquanto as que se retraem se vêem cercadas de pedintes. O distanciamento delas é poderoso, e todos as querem ao seu lado. Picasso, passados os primeiros anos de pobreza e já o artista de maior sucesso no mundo, não se comprometeu com este ou aquele marchand, embora o cercassem por todos os lados com ofertas atraentes e promessas formidáveis. Pelo contrário, ele parecia não se interessar por seus serviços. Esta técnica deixava os marchands loucos, e enquanto o disputavam o preço das suas obras subia.

Quando Henry Kissinger, como secretário de Estado dos Estados Unidos, quis relaxar a tensão com a Rússia, não fez concessões nem gestos conciliatórios, mas cortejou a China. Isto enfureceu e até

assustou os soviéticos — eles já estavam politicamente isolados e temiam ficar ainda mais se os Estados Unidos e a China se unissem. O movimento de Kissinger os empurrou para a mesa de negociações. A tática tem um paralelo na sedução: se quiser conquistar uma mulher, aconselha Stendhal, seduza primeiro a irmã dela. Mantenha-se distante e as pessoas se aproximarão de você. Será um desafio para elas conquistar o seu afeto. Desde que você imite a sábia Rainha Virgem e mantenha acesas as esperanças, estará sempre atraindo o interesse e o desejo.

Não se comprometa com ninguém nem com coisa alguma, pois isso é ser escravo, escravo de todos os homens... principalmente, mantenha-se livre de compromissos e obrigações — esses são artifícios do outro para mantê-lo em seu poder...
Baltasar Gracián, 1601-1658



Homens espertos são lentos no agir, pois é mais fácil evitar compromissos do que se sair bem de um deles. Nessas ocasiões teste o seu bom senso; é mais seguro evitá-los do que sair vitorioso de um deles. Uma obrigação leva a outra maior, e você chega à beira do desastre.
Baltasar Gracián 1601-1658



PARTE II: NÃO SE COMPROMETA COM NINGUÉM - NÃO ENTRE NA BRIGA

Não se deixe arrastar para brigas mesquinhas e discussões. Pareça interessado e prestativo, mas encontre um jeito de se manter neutro; deixe que os outros briguem enquanto você se retrai, observando e aguardando. Quando as partes litigantes se cansarem, estarão maduras para a colheita. Você pode fazer disso uma prática, incentivar as discussões entre as pessoas, depois se oferecer como mediador, conquistando o poder como intermediário.

Quando você entra numa briga que não foi você que começou, perde a iniciativa. Os interesses dos combatentes tornam-se os seus interesses; você passa a ser uma ferramenta que eles usam. Aprenda a se controlar, a reprimir a sua natural tendência a tomar partido e entrar na briga. Seja amável e encantador com cada um dos combatentes, depois se afaste e deixe que eles se enfrentem. A cada batalha eles ficam mais fracos, enquanto você se fortalece a cada batalha que evita. Para ganhar no jogo do poder, você deve dominar suas emoções. Mas, ainda que você consiga esse autocontrole, não poderá controlar o temperamento das pessoas a sua volta. E aí é que está o perigo. A maioria das pessoas vive num redemoinho de emoções, constantemente reagindo, alimentando discussões e conflitos.

O seu autocontrole e autonomia só vai deixá-las aborrecidas e furiosas. Elas tentarão arrastálo para o turbilhão, implorando para que você tome partido nas suas intermináveis batalhas, ou faça as pazes por elas. Se você sucumbir às suas súplicas emocionais, pouco a pouco verá a sua mente e o seu tempo ocupados com os problemas delas. Não permita ser sugado por uma compaixão ou piedade qualquer que você possa sentir. Deste jogo você não sai vencedor; os conflitos só se multiplicam.

Por outro lado, você não pode ficar totalmente de fora, pois seria uma afronta inútil. Para fazer bem esse jogo, você deve parecer interessado nos problemas da outra pessoa, às vezes até tomar o seu partido. Mas, ao mesmo tempo que demonstra externamente o seu apoio, você deve manter interiormente a sua energia e sanidade íntegras, não se deixando envolver emocionalmente. Não importa o quanto as pessoas tentem atrair você, não deixe que o seu interesse pelos negócios e discussões delas passem além do superficial. Dê-lhes presentes, ouça com ar de simpatia, até ocasionalmente banque o sedutor — mas por dentro mantenha distância dos reis amáveis e dos pérfidos.

Recusando-se a se comprometer e mantendo assim a sua autonomia, a iniciativa continua sendo sua: seus movimentos continuam sendo escolha sua, e não reações defensivas ao puxa-empurra dos outros ao redor. Demorar para escolher as suas armas já pode ser, por si só, uma arma, especialmente se você deixar os outros se exaurirem lutando para depois se aproveitar da exaustão deles.

Na antiga China, o reinado de Chin certa vez invadiu o reinado de Hsing. Huan, o governante de uma província vizinha, achou que devia correr em defesa de Hsing, mas seu conselheiro lhe disse para esperar: “Hsing ainda não vai ser destruída”, falou ele, “e Chin ainda não está exausto. Se Chin não está exausto, [nós] não podemos influenciar muita coisa. Além disso, o mérito de apoiar um estado em perigo não é tão grande quanto a virtude de ressuscitar um estado em ruínas.” O argumento do conselheiro venceu e, como ele tinha previsto, Huan mais tarde teve a glória de salvar Hsing à beira da destruição e depois de conquistar um Chin exausto. Ele ficou de fora da briga até que as forças envolvidas nela se exauriram mutuamente, quando foi seguro para ele intervir.

Esta é a vantagem de se manter longe da confusão: você ganha tempo para se posicionar, para se aproveitar da situação assim que uma das partes começar a perder.

Você também pode levar o jogo um pouco mais adiante, prometendo apoio a ambos os lados num conflito enquanto manobra para ser você a levar vantagem na luta. Foi isso que Castruccio Castracani, governante da cidade italiana de Lucca, no século XIV, fez quando tinha seus planos para a cidade de Pistóia. Um cerco seria muito caro, em termos de vidas e dinheiro, mas Castruccio sabia que em Pistóia existiam duas facções, os Negros e os Brancos, que se odiavam. Ele negociou com os Negros, prometendo ajudá-los contra os Brancos; depois, sem que eles soubessem, prometeu aos Brancos que os ajudaria contra os Negros. E Castruccio manteve as suas promessas — enviou um exército para um dos portões da cidade controlado pelos Negros, que as sentinelas, é claro, deixaram entrar. Enquanto isso, outro exército seu entrava por um portão controlado pelos Brancos. Os dois exércitos se encontraram no meio do caminho, ocuparam a cidade, mataram os líderes das suas facções, terminaram a guerra interna e entregaram Pistóia a Castruccio.

Preservar a sua autonomia lhe dá opções quando as pessoas chegam às vias de fato — você pode bancar o mediador, o agente da paz, enquanto está na realidade garantindo os seus próprios interesses. Você pode prometer ajuda a um lado, e o outro terá que atraí-lo com uma oferta maior. Ou, como Castruccio, você pode parecer que está apoiando ambos os lados, depois representar o antagonista de um e de outro. Freqüentemente, num conflito, fica-se tentado a tomar o partido do mais forte, ou do que lhe oferecer as vantagens evidentes de uma aliança. Esse é um negócio arriscado. Primeiro, quase sempre é difícil prever qual dos lados prevalecerá a longo prazo. E mesmo que você acerte e se alie com o partido mais forte, poderá se ver engolido e perdido, ou convenientemente esquecido, quando eles se tomarem vitoriosos. Fique do lado do mais fraco, e você está condenado. Mas faça o jogo da espera, e não poderá perder.

Na França, depois de três dias de rebeliões durante a revolução de julho de 1830, o estadista Talleyrand, já idoso, sentou-se à sua janela em Paris ouvindo o repicar dos sinos que indicavam que as lutas tinham acabado. Voltando-se para um assistente, ele disse, “Ah, os sinos! Estamos ganhando..” ‘Nós’, quem, mon prince?”, perguntou o assistente. Fazendo um gesto para o homem se calar, Talleyrand replicou, “Nem uma palavra! Amanhã lhe direi quem somos nós”. Ele sabia muito bem que só os tolos se precipitam — que se comprometendo rápido demais você perde a capacidade de manobra. As pessoas também respeitam você menos por isso: quem sabe amanhã, pensam elas, você vai se comprometer com outra causa diferente, visto que se entregou tão facilmente a esta. A boa sorte é uma divindade volúvel que muda de lado com muita freqüência. O compromisso com uma das partes tira de você a vantagem do tempo e o luxo da espera. Deixe que os outros se apaixonem por este ou aquele grupo; mas você, não se apresse e nem perca a cabeça.

Finalmente, há ocasiões em que é mais sensato abandonar qualquer pretensão de parecer prestativo alardeando, pelo contrário, a sua independência e autoconfiança. A atitude aristocrática independente é importantíssima para quem precisa conquistar o respeito. George Washington reconheceu isso no seu esforço para dar à jovem república americana uma base firme. Como presidente, Washington fugiu à tentação de se aliar à França ou Inglaterra, apesar das pressões que sofria nesse sentido. Ele queria que o país conquistasse o respeito mundial por sua independência. Embora um tratado com a França talvez o tivesse ajudado no curto prazo, com o passar do tempo ele sabia que era mais eficaz estabelecer a autonomia da nação. A Europa tinha de ver os Estados Unidos como uma potência no mesmo pé de igualdade. Lembre-se: a sua energia e o seu tempo têm limite. Todos os momentos desperdiçados com os problemas alheios são subtraídos da sua energia. Você pode temer ser acusado de insensibilidade, mas no final, mantendo-se independente e confiante em si próprio, você será mais respeitado e conquistará o poder de escolher quando deve, ou não, tomar a iniciativa de ajudar os outros.



Quando a narceja e o mexilhão brigam, quem leva a melhor é o pescador. 
Antigo ditado chinês



Considere que não se comprometer exige mais coragem do que vencer uma batalha, e lá onde já existe um tolo interferindo, cuidado para não existirem dois. 
Baltasar Gracián, 1601-1658



O INVERSO

Ambas as partes desta lei se voltarão contra você se você exagerar. O jogo proposto aqui é delicado e difícil. Se você colocar muitos partidos se enfrentando, eles acabarão percebendo a manobra e conspirarão contra você. Se você deixar um número cada vez maior de pretendentes esperando demais, não vai despertar o desejo mas, sim, a desconfiança. As pessoas vão começar a perder o interesse. Você vai acabar achando que vale mais a pena se comprometer com uma das partes — nem que seja só pelas aparências, para provar que é capaz de ser solidário.

Mesmo nesse caso, entretanto, a chave será manter a sua independência interior — não se permitir envolver emocionalmente. Preservar a opção tácita de poder sair a qualquer momento e reclamar a sua liberdade, se o partido ao qual você se aliou ameaçar vir abaixo. Os amigos que você fez, enquanto estava sendo cortejado, lhe oferecerão um lugar para ir depois de abandonar o navio.

Fonte: "As 48 leis do Poder", Robert Greene e Joost Elffers, Editora Rocco, 2000