terça-feira, 25 de fevereiro de 2014

Lei 23 - Concentre suas forças

Preserve suas forças e sua energia concentrando-as no seu ponto mais forte. Ganha-se mais descobrindo uma mina rica e cavando fundo do que pulando de uma mina rasa para outra – a profundidade derrota a superficialidade sempre. As procurar fontes de poder para promove-lo, descubra um patrono-chave, a vaca cheia de leite que o alimentará durante muito tempo.

O mundo está passando por uma epidemia de divisões cada vez maiores — dentro de países, grupos políticos, famílias, até indivíduos. Estamos todos num estado de total distração e difusão, mal conseguimos colocar nossas cabeças numa direção e já estamos sendo puxados para centenas de outras. O nível de conflito no mundo moderno está mais alto do que nunca, e já nos acostumamos com isso. A solidão é uma forma de nos retirarmos para dentro de nós mesmos, para o passado, para formas mais concentradas de pensamento e ação. Como escreveu Schopenhauer, “O intelecto é uma medida de profundidade, não uma medida de superficialidade”. Napoleão conhecia o valor de concentrar suas forças no ponto fraco do inimigo — era o segredo do seu sucesso nos campos de batalha. Mas a sua força de vontade e a sua mente também estavam moldados segundo esta noção. O propósito único, a total concentração na meta, e o uso destas qualidades contra pessoas menos concentradas, pessoas distraídas — a flecha acertará sempre o alvo e conquistará o inimigo.

Casanova atribuía o seu sucesso na vida a sua capacidade de se concentrar num único objetivo e forçar até ele ceder. Foi a sua capacidade de se entregar totalmente às mulheres que desejava que o tornava tão sedutor. Durante as semanas ou meses em que uma destas mulheres vivia na sua órbita, ele não pensava em mais ninguém. Quando esteve preso nas traiçoeiras “passagens” do palácio dos doges em Veneza, prisão de onde ninguém jamais escapara, ele só pensava na fuga como seu único objetivo, dia após dia. Uma mudança de cela, que significou meses e meses de escavações inúteis, não o desencorajou; ele persistiu e acabou fugindo. “Sempre acreditei”, escreveu ele mais tarde, “que se um homem coloca na cabeça que vai fazer uma coisa, e se ele se ocupa exclusivamente disso, acaba conseguindo, por mais difícil que seja. Esse homem se tornará grão-vizir ou Papa.”

Concentre-se numa única meta, uma única tarefa, e insista até conseguir. No mundo do poder, você está sempre precisando da ajuda dos outros, em geral daqueles que têm mais poder do que você. O tolo pula de um para o outro, acreditando que sobreviverá se espalhando. Mas um dos corolários da lei de concentração é que se economiza muita energia, e se obtém mais poder, fixando-se a uma única fonte adequada de poder. O cientista Nikola Tesla se arruinou acreditando que conservaria a sua independência se não tivesse de servir a um único senhor. Ele até rejeitou a oferta de J.P. Morgan, que lhe ofereceu um rico contrato. No final, a “independência” de Tesla significava que ele podia não depender de um único patrono, mas estava sempre tendo de adular uma dúzia deles. No final da vida, ele percebeu o seu erro.

Todos os grandes pintores e escritores renascentistas se debateram com este problema, não mais do que o escritor seiscentista Pietro Aretino. Ao longo de toda a sua vida, Aretino passou pela indignidade de ter que agradar a este ou aquele príncipe. Ele acabou dando um basta e foi cortejar Carlos V, prometendo ao imperador os serviços da sua poderosa pena. Finalmente ele descobriu a liberdade de servir a uma única fonte de poder. Michelangelo descobriu esta liberdade com o papa Júlio II, Galileu com os Medici. No final, o patrono único aprecia a sua lealdade e passa a depender dos seus serviços; com o tempo, o senhor serve ao escravo. Finalmente, o poder está sempre concentrado.

Em qualquer organização é inevitável que um pequeno grupo controle tudo. E quase sempre não são aqueles com títulos. No jogo do poder, apenas o tolo golpeia aqui e ali sem fixar a sua meta. É preciso descobrir quem controla as operações, quem realmente dirige a cena por trás dos bastidores. Como Richelieu descobriu no início da sua ascensão ao topo do cenário político francês, no início do século XVII, não era o rei Luís XIII que decidia as coisas, era a mãe dele. Portanto ele se ligou a ela, e passou por cima de todos os níveis dos cortesãos, direto para o topo.

Basta encontrar petróleo uma vez — sua riqueza e poder estão garantidos para o resto da vida. A melhor estratégia é ser sempre muito forte; primeiro, em geral, depois no momento decisivo... Não há lei de estratégia melhor e mais simples do que manter as própri as forças concentradas... Em resumo, o primeiro princípio é: aja com a máxima concentração. 
Da guerra, Carl von Clausewitz, 1780-1831



Preze a profundidade mais do que a superficialidade. A perfeição está na qualidade, não na quantidade. O superficial não sai da mediocridade, e a desgraça dos homens com interesses amplos e generalizados é que enquanto desejam comandar tudo acabam não comandando nada. A profundidade dá fama, e equivale ao heroismo em questões sublimes. 
Baltasar Gracián, 16014658



O INVERSO

A concentração pode ser perigosa, e há momentos em que a dispersão é a tática adequada. Lutando contra os nacionalistas pelo controle da China, Mao Tsé-tung e os comunistas fizeram uma guerra de retração em várias frentes, usando como suas principais armas a sabotagem e as emboscadas. A dispersão costuma ser adequada para o lado mais fraco; ela é, de fato, o princípio crucial das guerrilhas. Ao lutar contra um exército superior, concentrando suas forças você só se torna um alvo mais fácil — melhor se dispersar no cenário e frustrar seu inimigo com a intangibilidade da sua presença.

Ligar-se a uma única fonte de poder tem um grande perigo: se a pessoa morre, vai embora ou çai em desgraça, você sofre.

Isso é bastante prudente em épocas de grandes tumultos e mudanças violentas, ou quando seus inimigos são numerosos. Quanto mais patronos e senhores você tiver, menor o risco que você corre se um deles perder o poder. Essa dispersão até permitirá que você jogue um contra o outro. Mesmo que você se concentre numa única fonte de poder, continua tendo de ter cautela, e se preparar para o dia em que o seu senhor, o patrono, não estiver mais aqui para protegê-lo.

Finalmente, exagerar num propósito único pode fazer de você um chato insuportável, especialmente nas artes. O pintor renascentista Paolo Uccello era tão obcecado com a perspectiva que suas pinturas chegam a parecer monótonas e falsas, enquanto Leonardo da Vinci se interessava por tudo — arquitetura, pintura, guerra, escultura, mecânica. A descentralização foi a fonte do seu poder. Mas gênios assim são raros; quanto ao restante de nós, é melhor pender para o lado da profundidade.


Fonte: "As 48 leis do Poder", Robert Greene e Joost Elffers, Editora Rocco, 2000

sábado, 22 de fevereiro de 2014

Lei 22 - Use a tática da rendição: transforme a fraqueza em poder

Se você é o mais fraco, não lute só por uma questão de honra; é preferível se render. Rendendo-se, você tem tempo para se recuperar, tempo para atormentar e irritar o seu conquistador, tempo para esperar que ele perca o seu poder. Não lhe dê a satisfação de lutar e derrotar você – renda-se antes. Oferecendo a outra face, você o enraivece e desequilibra. Faça da rendição um instrumento de poder. Se você é a parte mais fraca, não lucrará nada metendo-se numa briga inútil. Ninguém aparece para ajudar os fracos – isso só traz prejuízos. Os fracos estão sozinhos e devem se entregar. Lutar não lhe dará nada. além do martírio, e muita gente que não acredita na sua causa morrera.

Fraqueza não é pecado, e pode até se tornar uma força se você aprender a jogar corretamente.

A sorte muda e os poderosos quase sempre são derrubados. A rendição disfarça um grande poder: despertando a complacência do inimigo, você tem tempo para se recuperar, tempo para ir minando o terreno, tempo para se vingar. Não sacrifique este tempo em troca do mérito de participar de uma batalha da qual não sairá vencedor. O que nos causa problemas na esfera do poder é quase sempre a nossa própria reação exagerada aos movimentos de nossos inimigos e rivais. Esse exagero cria dificuldades que teríamos evitado se fôssemos mais sensatos. Tem também um efeito ricochete interminável, pois o inimigo vai reagir com o mesmo exagero, como os atenienses fizeram com os melianos. O nosso primeiro instinto é sempre o de reagir, enfrentar a agressão com outra agressão. Mas, da próxima vez que alguém lhe der um empurrão e você perceber que está começando a reagir, experimente isto: não resista nem brigue, ceda, dê a outra face, curve-se. Verá que isso quase sempre neutraliza o comportamento deles — eles esperavam, até queriam que você reagisse com energia e foram, portanto, apanhados desprevenidos e a sua não-resistência os deixou confusos. Na verdade, ao ceder você passa a controlar a situação, porque isso faz parte de um plano maior para que eles acreditem que o derrotaram.

Esta é a essência da tática da rendição; no íntimo você permanece firme, mas por fora você se inclina. Sem mais motivos para se zangar, seus adversários ficam confusos. É improvável que reajam com mais violência, o que exigiria de você uma reação. Em vez disso, você tem tempo e espaço para armar um contramovimento para derrubá-los. No confronto entre o inteligente e o bruto agressivo, a tática da rendição é a melhor arma. Mas é preciso ter autocontrole: quem se rende de fato perde a liberdade, e pode ser esmagado pela humilhação da derrota. Você deve se lembrar de só parecer que está se rendendo, como o animal que se finge de morto para salvar a pele. Vimos que é melhor se render do que brigar: diante de um adversário mais forte e da garantia de uma derrota, quase sempre é melhor se render do que sair correndo. Na hora, a fuga pode ser a salvação, mas o agressor acabará alcançando você. Rendendo-se, entretanto, você terá oportunidade de se enroscar no inimigo e atacá-lo com unhas e dentes bem de perto.

Quando o comércio exterior começou a ameaçar a independência do Japão, em meados do século XIX, os japoneses discutiram como derrotar os estrangeiros. Um ministro, Hotta Masayoshi, escreveu um memorando em 1857 que influenciou a política japonesa durante muitos anos: “Estou, portanto, convencido de que a nossa política deveria ser fazer alianças cordiais, enviar navios a todos os países estrangeiros e fazer comércio com eles, copiar os estrangeiros naquilo que eles fazem melhor, reparando assim as nossas próprias deficiências, incentivando a nossa força nacional e completando nossos armamentos, e submeter, assim, gradualmente, os estrangeiros à nossa influência até que, no final, todos os países do mundo conheçam as bênçãos da perfeita tranqüilidade e a nossa hegemonia seja reconhecida no mundo inteiro.”

Esta é uma aplicação brilhante da lei: Use a rendição para ter acesso ao inimigo. Aprenda com ele, insinue-se lentamente, conforme-se externamente aos seus hábitos, mas no íntimo conserve a sua própria cultura. No fim você sairá vitorioso, pois enquanto ele o considera fraco e inferior, e não toma nenhuma precaução para se defender, você usa este tempo para se recuperar e ficar mais forte do que ele. Esta forma branda e permeável de invasão quase sempre é a melhor, pois o inimigo nenhum motivo tem para reagir, nada para se preparar, ou resistir. E se os japoneses tivessem resistido à influência ocidental pela força, poderiam ter sofrido uma devastadora invasão que alteraria para sempre a sua cultura.

A rendição também é uma forma de você rir do inimigo, de virar o poder contra eles mesmos, como fez Brecht. O romance A brincadeira, de Milan Kundera, baseado nas experiências do autor numa colônia penal na Tchecoslováquia, conta que os guardas da prisão organizaram uma corrida de revezamento, guardas contra prisioneiros. Para eles esta era uma chance de exibir a sua superioridade física. Os prisioneiros sabiam que era para eles perderem, por isso fizeram tudo para agradar — fingindo um esforço exagerado enquanto mal se mexiam, caindo no chão depois de correr só alguns metros, capengando, andando cada vez mais devagar enquanto os guardas disparavam na frente. Aceitando ao mesmo tempo participar da corrida e perder, ele tinham obedecido aos guardas; mas o excesso de obediência tomou o evento ridículo a ponto de arruiná-lo. A “superobediência” — a rendição — nesse caso foi uma demonstração de superioridade ao inverso. A resistência teria colocado os prisioneiros num ciclo de violências, rebaixando-os ao nível dos guardas. A superobediência, entretanto, colocou os guardas numa situação ridícula, mas eles não podiam punir justamente os prisioneiros que só fizeram o que eles tinham pedido. O poder está sempre fluindo — visto que o jogo é por natureza fluido e uma arena de lutas constantes, quem está com o poder quase sempre acaba se encontrando na descida do pêndulo. Se você se vir temporariamente enfraquecido, a tática da rendição é perfeita para levá-lo para cima de novo — ela disfarça a sua ambição; ensina a você a paciência e o autocontrole, habilidades-chave para o jogo, e o coloca na melhor posição possível para tirar vantagem do súbito deslize do seu opressor. Se você foge ou revida, não poderá vencer a longo prazo. Se você se rende, é quase certo sair vitorioso.

Ouvistes o que foi dito: Olho por olho, dente por dente. Eu, porém, vos digo: Não resistais ao perverso; mas a qualquer que vos ferir a face direita, voltai-lhe também a outra; e ao que quer demandar convosco e tirar-vos a túnica, deixai-lhe também a capa. Se alguém vos obrigar a andar uma milha, ide com ele duas.
Jesus Cristo, em Mateus, 5:38-41

Os fracos jamais cedem quando deveriam.
Cardeal de Retz, 16 13-1679

Voltaire vivia exilado em Londres numa época em que estava no auge ser contra os franceses. Um dia, caminhando pelas ruas, ele se viu cercado por uma multidão irada. “Enforquem-no, enforquem o francês”, gritavam. Voltaire calmamente se dirigiu a turba dizendo o seguinte: Ingleses! Desejam me matar porque sou francês. Já não fui punido o suficiente por não ter nascido inglês?” A multidão aplaudiu as suas palavras sensatas e o escoltaram de volta aos seus alojamentos.
The Little, Brown - Book Of Anecdotes, Clifton Fadiman Ed. 1985

Lembre-se: quem está tentando exibir a sua autoridade ilude-se facilmente com a tática da rendição. Se você se mostra submisso, eles se sentem importantes. Contentes, porque estão sendo respeitados, tornam-se alvos mais fáceis para um contra-ataque, ou para uma zombaria dissimulada como fez Brecht. Ao avaliar o seu poder ao longo do tempo, não sacrifique a capacidade de manobra a longo prazo pelas glórias efêmeras do martírio. Quando o grande senhor passa, o camponês sábio se inclina profundamente e peida em silêncio. 
Provérbio etíope


O INVERSO

O objetivo da rendição é salvar a sua pele para quando você puder se firmar novamente. É para evitar o martírio que alguém se rende, mas há momentos em que o inimigo não descansa, e o martírio parece ser a única escapatória. Além do mais, se você estiver disposto a morrer, outros poderão tirar do seu exemplo poder e inspiração.

Mas o martírio, o inverso da rendição, é uma tática confusa, pouco precisa, e tão violenta quanto a agressão que ele combate. Para cada mártir famoso existem milhares que não inspiraram religiões nem rebeliões, de forma que, se o martírio às vezes confere um certo poder, isso é imprevisível. E, o que é mais importante, você não estará por aqui para usufruir desse poder. E existe decididamente algo de egoísmo e arrogância nos mártires, como se achassem que seus seguidores são menos importantes do que a sua própria glória. Quando o poder o abandona, é melhor ignorar esta inversão da Lei. Deixe para lá o martírio: o pêndulo acaba oscilando para o seu lado novamente, e você precisa estar vivo para ver isso.

Fonte: "As 48 leis do Poder", Robert Greene e Joost Elffers, Editora Rocco, 2000

terça-feira, 18 de fevereiro de 2014

Lei 21 - Faça-se de otário para pegar os otários - pareça mais bobo do que o normal

Ninguém gosta de se sentir mais idiota do que o outro. O truque, portanto, é fazer com que suas vítimas se sintam espertas – e mais espertas que você. Uma vez convencidas disso, elas jamais desconfiarão que você possa ter segundas intenções. A sensação de que alguém é mais inteligente do que nós é quase insuportável. Em geral tentamos justificá-la de várias maneiras: “O conhecimento dele é só teoria, enquanto o meu se baseia na realidade.” “Os pais dela pagaram para ela estudar. Se meus pais tivessem tido tanto dinheiro assim, se eu tivesse sido privilegiado Ele não é tão inteligente quanto pensa”. E: “Ela pode conhecer melhor do que eu a sua areazinha restrita, mas fora disso ela não é nem um pouco esperta. Até Einstein era um idiota, quando não se tratava de física”.

Visto que a ideia de inteligência é tão importante para a vaidade da maioria das pessoas, é importante não insultar ou impugnar jamais, inadvertidamente, o poder do cérebro de uma pessoa. Esse é um pecado imperdoável. Mas, se você conseguir tirar vantagem desta regra, ela abrirá para você todas as portas para a fraude. Subliminarmente, assegure às pessoas de que elas são mais inteligentes do que você, ou mesmo que você é um tanto bronco, e vai conseguir fazer delas o que você quiser. A sensação de superioridade intelectual que você lhes dá afrouxará as suas desconfianças.

Em 1865, o conselheiro prussiano Otto von Bismarck queria que a Áustria assinasse um determinado tratado. Esse tratado era totalmente a favor da Prússia e contra os interesses da Austria, e Bismarck teria de lançar mão de estratégias para convencer os austríacos. Mas o negociador austríaco, conde Blome, era um ávido jogador de cartas. Seu jogo preferido era o quinze, e ele costumava dizer que podia julgar o caráter de um homem pelo seu estilo de jogar. O prussiano mais tarde escreveria, “Foi a última vez que joguei quinze. Fui tão imprudente que todos ficaram atônitos. Perdi vários táleres [a moeda da época], mas consegui enganar [Blome], porque ele achou que eu era mais irresponsável do que sou na verdade, e recuou”. Além de parecer afoito, Bismarck também se fez de ignorante e tolo, dizendo coisas absurdas e se pavoneando com um excesso de energia nervosa.

Tudo isso fez Blome achar que ele tinha informações valiosas. Ele sabia que Bismarck era agressivo — o prussiano já tinha essa fama, e o modo como jogava confirmava isso. E homens agressivos, Blome sabia, podem ser tolos e imprudentes. Por conseguinte, na hora de assinar o tratado, Blome achou que estava levando vantagem. Um tolo afoito como Bismarck, ele pensou, é incapaz de calcular e enganar a sangue-frio, por isso só olhou o tratado de relance antes de assinar — não leu as letrinhas miúdas. Assim que a tinta secou, um alegre Bismarck exclamou na sua cara, “Ora, pensei que eu não fosse encontrar um diplomata austríaco disposto a assinar esse documento!”

Os chineses têm um ditado, “Vestir a máscara do porco para matar o tigre”. É uma referência a uma antiga técnica de caça em que o caçador se cobre com a pele e o focinho de um porco, e sai grunhindo. O poderoso tigre pensa que um porco vem chegando, deixa-o se aproximar, saboreando a perspectiva de uma refeição fácil. Mas é o caçador quem ri por último.

Mascarar-se de porco funciona muito bem com quem, como os tigres, é muito arrogante e seguro de si. Quanto mais eles acham que é fácil apanhar você, mais facilmente você vira a mesa. Este truque também é útil se você for ambicioso, mas ocupa uma posição inferior na hierarquia — aparentar ser menos inteligente do que é, até meio tolo, é o disfarce perfeito. Pareça um porco inofensivo e ninguém acreditará que tem ambições perigosas. Podem até promovê-lo, pois você parece tão agradável e subserviente. Cláudio, antes de se tornar imperador de Roma, e o príncipe da França que mais tarde se tornou Luís XIII usavam esta tática quando seus superiores desconfiavam de que tinham pretensões ao trono. Bancando os tolos quando jovens, eles foram deixados em paz. Quando chegou a hora de atacar, e agir com vigor e decisão, eles apanharam todos desprevenidos.

A inteligência é a qualidade óbvia para ser minimizada, mas por que parar por aí? Gosto e sofisticação estão no mesmo nível da inteligência na escala das vaidades; faça as pessoas se sentirem mais sofisticadas do que você e elas baixarão a guarda. Deixe sempre as pessoas acreditarem que são mais espertas e mais sofisticadas do que você. Elas os manterão por perto porque você as faz se sentir melhor, e quanto mais você ficar por perto, mais chances terá de enganá-las.

Saiba usar a burrice: o homem sábio usa esta carta às vezes. Há momentos em que a maior sabedoria é parecer não saber nada — você não precisa ser ignorante, basta ser capaz de fingir que é. Não é muito bom ser sábio entre tolos e lúcido no meio de lunáticos. Quem se faz de tolo não é tolo, a melhor maneira de ser bem recebido por todos é fingindo ser um grande idiota. 
Baltasar Gracián, 1601-1658



Ora, não há nada de que um homem se orgulhe mais do que da sua capacidade intelectual, pois é ela que o coloca no comando do mundo animal. E muita imprudência deixar que alguém o veja como decididamente superior nesse ponto, e deixar que outras pessoas vejam isso também... Por conseguinte, embora a classe social e o dinheiro possam sempre contar com um tratamento privilegiado na sociedade, com isso a capacidade intelectual não pode contar: o maior favor que podem prestar á inteligência é ignorá-la; e se as pessoas a percebem, é porque a consideram uma impertinência, ou algo a que o seu possuidor não tem nenhum direito legítimo, e do qual ele apenas ousa se orgulhar; e, em retaliação e vingança por sua conduta, as pessoas secretamente tentam humilhá-lo de alguma outra forma; e se demoram para fazer isso é só porque esperam pela ocasião mais adequada. 
Um homem pode ser o mais humilde possível nesse sentido, e ainda assim dificilmente conseguirá que as pessoas lhe perdoem o pecado de se colocar intelectualmente acima delas. Em Garden of Roses, Sadi observa: Você deveria saber que os tolos são cem vezes mais avessos a se encontrar com o sábio do que o sábio tem disposição para estar em companhia de tolos. Por outro lado, ser idiota é uma recomendação verdadeira. Pois assim como o calor é agradável ao corpo, também é agradavelmente sentir a sua superioridade; e o homem procura a companhia que vai lhe dar essa sensação, tão instintivamente quanto ele se aproxima da lareira ou caminha no sol quando quer se aquecer. Mas isto significa que ele não agradará por sua superioridade; e, se um homem quer agradar, deve ser intelectualmente inferior.
ARTHUR SCHOPENHAUER, 1788-1860


O INVERSO

Raramente vale a pena revelar a verdadeira natureza da sua inteligência; você deve criar o hábito de minimizá-la sempre. Se as pessoas inadvertidamente ficarem sabendo da verdade — que você é mesmo mais esperto do que parece — vão admirá-lo ainda mais por ser discreto e não ficar se exibindo. No início da sua ascensão, é claro, você não pode bancar o idiota; é bom deixar que seus chefes saibam, sutilmente, que você é mais esperto do que os seus concorrentes. A medida que você for subindo, entretanto, tente brilhar menos.

Existe, no entanto, uma situação em que vale a pena fazer o contrário —quando você pode encobrir uma trapaça demonstrando inteligência. Quando se trata de esperteza, como na maioria das coisas, o importante são as aparências.. Se você parece ter autoridade e conhecimento, as pessoas acreditarão no que você diz. Isto pode servir para livrá-lo de uma enrascada.

Certa vez, o marchand Joseph Duveen estava numa festa, em Nova York, na casa de um magnata a quem acabara de vender um quadro de Dürer por um preço altíssimo. Um dos convidados era um jovem crítico de arte francês que parecia extremamente culto e seguro de si. Querendo impressioná-lo, a filha do magnata lhe mostrou o Dürer, que ainda não estava pendurado na parede. O crítico estudou-o alguns minutos, depois disse, “Sabe, não acho que isto seja um Dürer”. Ele seguiu a jovem quando ela foi correndo contar para o pai. “Sabe, meu jovem, que pelo menos uns vinte especialistas em arte, aqui e na Europa, foram consultados também e disseram que o quadro não é autêntico? E agora você cometeu o mesmo engano.” O seu tom confiante e o ar de autoridade intimidaram o francês, que se desculpou pelo erro.

Duveen sabia que o mercado de arte estava inundado de fraudes, e que muitos quadros tinham sido falsamente atribuídos a antigos mestres. Ele fazia o possível para distinguir o verdadeiro do falso mas, no afã de vender uma obra, com freqüência exagerava a sua autenticidade. O importante para ele era que o comprador acreditasse que tinha comprado um Dürer, e que o próprio Duveen convencesse todos da sua “perícia” com seu ar de impecável autoridade. Por isso é importante ser capaz de bancar o professor, quando necessário, e não impor aos outros essa atitude à toa.


Fonte: "As 48 leis do Poder", Robert Greene e Joost Elffers, Editora Rocco, 2000

sábado, 15 de fevereiro de 2014

Lei 20 - Não se comprometa com ninguém

Tolo é quem se apressa a tomar um partido. Não se comprometa com partidos ou causas, só com você mesmo. Mantendo-se independente, você domina os outros – colocando as pessoas umas contra as outras, fazendo com que sigam você.

PARTE 1: NÃO SE COMPROMETA COM NINGUÉM, MAS SEJA CORTEJADO POR TODOS

Deixando que outros sintam que o possuem de alguma forma, você perde o poder sobre eles. Não comprometendo seus afetos, eles se esforçarão mais para conquistá-lo. Mantenha-se distante e você conquistará o poder que vem das atenções e dos desejos frustrados dessas pessoas. Faça o papel da Rainha Virgem: Dê esperanças, jamais a satisfação.

Visto que o poder depende tanto das aparências, você precisa aprender alguns truques para realçar a sua imagem. Recusar comprometer-se com alguém ou com um grupo é um deles. Quando você se retrai, não desperta raiva, mas um certo respeito. Você parece instantaneamente poderoso porque se torna inatingível, em vez de se render a um grupo ou a um relacionamento, como faz a maioria das pessoas. Com o tempo, essa aura de poder só faz crescer: conforme aumenta a sua reputação de pessoa independente, mais desejado você será, todos querendo ser aquele que fará você se comprometer. O desejo é como um vírus: se vemos alguém ser desejado por outras pessoas, tendemos a achá-lo desejável também.

Assim que você se compromete, foi-se o encanto. Você se torna igual a todo mundo. As pessoas tentarão todos os métodos escusos possíveis para levar você a um compromisso. Vão lhe dar presentes, encher você de favores, tudo para colocá-lo na situação de devedor. Incentive as atenções, estimule os interesses, mas não se comprometa de forma alguma. Aceite os presentes e favores se assim desejar, mas tenha o cuidado de se manter intimamente distante. Você não pode se permitir, inadvertidamente, sentir-se devedor com relação a ninguém. Mas lembre-se: o objetivo não é livrar-se das pessoas, ou fazer com que elas achem que você é incapaz de um compromisso. Como a Rainha Virgem, você tem que agitar as coisas, estimular o interesse, atrair as pessoas com a possibilidade de ficar com você. Você tem de se dobrar às suas atenções ocasionalmente, portanto — mas não demais. O general e estadista grego, Alcibíades, era mestre neste jogo. Foi ele quem inspirou e liderou a forte armada ateniense que invadiu a Sicília em 414 a.C. Quando, em casa, os invejosos atenienses tentaram derrubá-lo com acusações falsas, ele passou para o lado do inimigo, os espartanos, para não ter de enfrentar um julgamento na sua própria cidade. Depois, quando os atenienses foram derrotados em Siracusa, ele trocou Esparta pela Pérsia, apesar de o poder de Esparta estar em ascensão. Mas agora, tanto os atenienses quanto os espartanos cortejavam Alcibíades por sua influência com os persas; e os persas o enchiam de homenagens devido ao seu poder sobre os atenienses e espartanos. Ele distribuía promessas para todos os lados, mas não se comprometia com nenhum, e no final quem dava as cartas era ele.

Se você quer ter poder e influência, experimente a tática de Alcibíades: coloquese no meio de duas forças concorrentes. Atraia um dos lados prometendo ajuda; o outro, sempre querendo superar o inimigo, seguirá você também. Enquanto os dois disputam a sua atenção, você se torna logo uma pessoa que parece muito desejada e de grande influência. Você terá mais poder assim do que se comprometendo precipitadamente com um dos lados. Para aperfeiçoar a sua tática, você tem de se manter intimamente livre de envolvimentos emocionais, e ver todos a seu redor como peões para a sua ascensão. Você não pode se permitir servir de lacaio de nenhuma causa.

No meio das eleições presidenciais nos Estados Unidos, em 1968, Henry Kissinger telefonou para a equipe de Richard Nixon. Kissinger se aliara a Nelson Rockefeller, que tinha falhado na sua tentativa de ser indicado pelo partido Republicano. Agora Rockefeller estava oferecendo à campanha de Nixon informações privilegiadas de grande valor sobre as negociações para a paz no Vietnã, que estavam sendo realizadas em Paris. Ele tinha um homem no grupo de negociadores que o mantinha informado sobre os últimos acontecimentos. A equipe de Nixon aceitou com prazer a oferta.

Ao mesmo tempo, entretanto, Kissinger também abordou o candidato dos democratas, Hubert Humphrey, e ofereceu a sua ajuda. O pessoal de Humphrey lhe pediu informações confidenciais sobre Nixon, e ele deu. “Veja”, disse Kissinger ao pessoal de Humphrey, “há anos que detesto o Nixon.” De fato, ele não tinha interesse em nenhum dos dois lados. O que ele queria na verdade foi o que conseguiu: a promessa de um posto de alto nível no ministério, tanto de Nixon quanto de Humphrey. Não importando qual dos dois vencesse nas eleições, a carreira de Kissinger estava garantida.

O vencedor, claro, foi Nixon, e Kissinger teve o seu cargo no ministério. Mesmo assim, ele teve o cuidado de não se parecer demais com um homem de Nixon. Quando ele foi reeleito, em 1972, homens muito mais fiéis do que Kissinger foram despedidos. Kissinger foi também o único alto funcionário do governo Nixon que sobreviveu a Watergate e serviu ao presidente seguinte, Gerald Ford. Mantendo uma ligeira distância, ele prosperou em épocas turbulentas.

Quem usa esta estratégia com freqüência nota um estranho fenômeno: as pessoas que correm para apoiar os outros tendem a ser pouco respeitadas, pois sua ajuda é obtida com muita facilidade, enquanto as que se retraem se vêem cercadas de pedintes. O distanciamento delas é poderoso, e todos as querem ao seu lado. Picasso, passados os primeiros anos de pobreza e já o artista de maior sucesso no mundo, não se comprometeu com este ou aquele marchand, embora o cercassem por todos os lados com ofertas atraentes e promessas formidáveis. Pelo contrário, ele parecia não se interessar por seus serviços. Esta técnica deixava os marchands loucos, e enquanto o disputavam o preço das suas obras subia.

Quando Henry Kissinger, como secretário de Estado dos Estados Unidos, quis relaxar a tensão com a Rússia, não fez concessões nem gestos conciliatórios, mas cortejou a China. Isto enfureceu e até

assustou os soviéticos — eles já estavam politicamente isolados e temiam ficar ainda mais se os Estados Unidos e a China se unissem. O movimento de Kissinger os empurrou para a mesa de negociações. A tática tem um paralelo na sedução: se quiser conquistar uma mulher, aconselha Stendhal, seduza primeiro a irmã dela. Mantenha-se distante e as pessoas se aproximarão de você. Será um desafio para elas conquistar o seu afeto. Desde que você imite a sábia Rainha Virgem e mantenha acesas as esperanças, estará sempre atraindo o interesse e o desejo.

Não se comprometa com ninguém nem com coisa alguma, pois isso é ser escravo, escravo de todos os homens... principalmente, mantenha-se livre de compromissos e obrigações — esses são artifícios do outro para mantê-lo em seu poder...
Baltasar Gracián, 1601-1658



Homens espertos são lentos no agir, pois é mais fácil evitar compromissos do que se sair bem de um deles. Nessas ocasiões teste o seu bom senso; é mais seguro evitá-los do que sair vitorioso de um deles. Uma obrigação leva a outra maior, e você chega à beira do desastre.
Baltasar Gracián 1601-1658



PARTE II: NÃO SE COMPROMETA COM NINGUÉM - NÃO ENTRE NA BRIGA

Não se deixe arrastar para brigas mesquinhas e discussões. Pareça interessado e prestativo, mas encontre um jeito de se manter neutro; deixe que os outros briguem enquanto você se retrai, observando e aguardando. Quando as partes litigantes se cansarem, estarão maduras para a colheita. Você pode fazer disso uma prática, incentivar as discussões entre as pessoas, depois se oferecer como mediador, conquistando o poder como intermediário.

Quando você entra numa briga que não foi você que começou, perde a iniciativa. Os interesses dos combatentes tornam-se os seus interesses; você passa a ser uma ferramenta que eles usam. Aprenda a se controlar, a reprimir a sua natural tendência a tomar partido e entrar na briga. Seja amável e encantador com cada um dos combatentes, depois se afaste e deixe que eles se enfrentem. A cada batalha eles ficam mais fracos, enquanto você se fortalece a cada batalha que evita. Para ganhar no jogo do poder, você deve dominar suas emoções. Mas, ainda que você consiga esse autocontrole, não poderá controlar o temperamento das pessoas a sua volta. E aí é que está o perigo. A maioria das pessoas vive num redemoinho de emoções, constantemente reagindo, alimentando discussões e conflitos.

O seu autocontrole e autonomia só vai deixá-las aborrecidas e furiosas. Elas tentarão arrastálo para o turbilhão, implorando para que você tome partido nas suas intermináveis batalhas, ou faça as pazes por elas. Se você sucumbir às suas súplicas emocionais, pouco a pouco verá a sua mente e o seu tempo ocupados com os problemas delas. Não permita ser sugado por uma compaixão ou piedade qualquer que você possa sentir. Deste jogo você não sai vencedor; os conflitos só se multiplicam.

Por outro lado, você não pode ficar totalmente de fora, pois seria uma afronta inútil. Para fazer bem esse jogo, você deve parecer interessado nos problemas da outra pessoa, às vezes até tomar o seu partido. Mas, ao mesmo tempo que demonstra externamente o seu apoio, você deve manter interiormente a sua energia e sanidade íntegras, não se deixando envolver emocionalmente. Não importa o quanto as pessoas tentem atrair você, não deixe que o seu interesse pelos negócios e discussões delas passem além do superficial. Dê-lhes presentes, ouça com ar de simpatia, até ocasionalmente banque o sedutor — mas por dentro mantenha distância dos reis amáveis e dos pérfidos.

Recusando-se a se comprometer e mantendo assim a sua autonomia, a iniciativa continua sendo sua: seus movimentos continuam sendo escolha sua, e não reações defensivas ao puxa-empurra dos outros ao redor. Demorar para escolher as suas armas já pode ser, por si só, uma arma, especialmente se você deixar os outros se exaurirem lutando para depois se aproveitar da exaustão deles.

Na antiga China, o reinado de Chin certa vez invadiu o reinado de Hsing. Huan, o governante de uma província vizinha, achou que devia correr em defesa de Hsing, mas seu conselheiro lhe disse para esperar: “Hsing ainda não vai ser destruída”, falou ele, “e Chin ainda não está exausto. Se Chin não está exausto, [nós] não podemos influenciar muita coisa. Além disso, o mérito de apoiar um estado em perigo não é tão grande quanto a virtude de ressuscitar um estado em ruínas.” O argumento do conselheiro venceu e, como ele tinha previsto, Huan mais tarde teve a glória de salvar Hsing à beira da destruição e depois de conquistar um Chin exausto. Ele ficou de fora da briga até que as forças envolvidas nela se exauriram mutuamente, quando foi seguro para ele intervir.

Esta é a vantagem de se manter longe da confusão: você ganha tempo para se posicionar, para se aproveitar da situação assim que uma das partes começar a perder.

Você também pode levar o jogo um pouco mais adiante, prometendo apoio a ambos os lados num conflito enquanto manobra para ser você a levar vantagem na luta. Foi isso que Castruccio Castracani, governante da cidade italiana de Lucca, no século XIV, fez quando tinha seus planos para a cidade de Pistóia. Um cerco seria muito caro, em termos de vidas e dinheiro, mas Castruccio sabia que em Pistóia existiam duas facções, os Negros e os Brancos, que se odiavam. Ele negociou com os Negros, prometendo ajudá-los contra os Brancos; depois, sem que eles soubessem, prometeu aos Brancos que os ajudaria contra os Negros. E Castruccio manteve as suas promessas — enviou um exército para um dos portões da cidade controlado pelos Negros, que as sentinelas, é claro, deixaram entrar. Enquanto isso, outro exército seu entrava por um portão controlado pelos Brancos. Os dois exércitos se encontraram no meio do caminho, ocuparam a cidade, mataram os líderes das suas facções, terminaram a guerra interna e entregaram Pistóia a Castruccio.

Preservar a sua autonomia lhe dá opções quando as pessoas chegam às vias de fato — você pode bancar o mediador, o agente da paz, enquanto está na realidade garantindo os seus próprios interesses. Você pode prometer ajuda a um lado, e o outro terá que atraí-lo com uma oferta maior. Ou, como Castruccio, você pode parecer que está apoiando ambos os lados, depois representar o antagonista de um e de outro. Freqüentemente, num conflito, fica-se tentado a tomar o partido do mais forte, ou do que lhe oferecer as vantagens evidentes de uma aliança. Esse é um negócio arriscado. Primeiro, quase sempre é difícil prever qual dos lados prevalecerá a longo prazo. E mesmo que você acerte e se alie com o partido mais forte, poderá se ver engolido e perdido, ou convenientemente esquecido, quando eles se tomarem vitoriosos. Fique do lado do mais fraco, e você está condenado. Mas faça o jogo da espera, e não poderá perder.

Na França, depois de três dias de rebeliões durante a revolução de julho de 1830, o estadista Talleyrand, já idoso, sentou-se à sua janela em Paris ouvindo o repicar dos sinos que indicavam que as lutas tinham acabado. Voltando-se para um assistente, ele disse, “Ah, os sinos! Estamos ganhando..” ‘Nós’, quem, mon prince?”, perguntou o assistente. Fazendo um gesto para o homem se calar, Talleyrand replicou, “Nem uma palavra! Amanhã lhe direi quem somos nós”. Ele sabia muito bem que só os tolos se precipitam — que se comprometendo rápido demais você perde a capacidade de manobra. As pessoas também respeitam você menos por isso: quem sabe amanhã, pensam elas, você vai se comprometer com outra causa diferente, visto que se entregou tão facilmente a esta. A boa sorte é uma divindade volúvel que muda de lado com muita freqüência. O compromisso com uma das partes tira de você a vantagem do tempo e o luxo da espera. Deixe que os outros se apaixonem por este ou aquele grupo; mas você, não se apresse e nem perca a cabeça.

Finalmente, há ocasiões em que é mais sensato abandonar qualquer pretensão de parecer prestativo alardeando, pelo contrário, a sua independência e autoconfiança. A atitude aristocrática independente é importantíssima para quem precisa conquistar o respeito. George Washington reconheceu isso no seu esforço para dar à jovem república americana uma base firme. Como presidente, Washington fugiu à tentação de se aliar à França ou Inglaterra, apesar das pressões que sofria nesse sentido. Ele queria que o país conquistasse o respeito mundial por sua independência. Embora um tratado com a França talvez o tivesse ajudado no curto prazo, com o passar do tempo ele sabia que era mais eficaz estabelecer a autonomia da nação. A Europa tinha de ver os Estados Unidos como uma potência no mesmo pé de igualdade. Lembre-se: a sua energia e o seu tempo têm limite. Todos os momentos desperdiçados com os problemas alheios são subtraídos da sua energia. Você pode temer ser acusado de insensibilidade, mas no final, mantendo-se independente e confiante em si próprio, você será mais respeitado e conquistará o poder de escolher quando deve, ou não, tomar a iniciativa de ajudar os outros.



Quando a narceja e o mexilhão brigam, quem leva a melhor é o pescador. 
Antigo ditado chinês



Considere que não se comprometer exige mais coragem do que vencer uma batalha, e lá onde já existe um tolo interferindo, cuidado para não existirem dois. 
Baltasar Gracián, 1601-1658



O INVERSO

Ambas as partes desta lei se voltarão contra você se você exagerar. O jogo proposto aqui é delicado e difícil. Se você colocar muitos partidos se enfrentando, eles acabarão percebendo a manobra e conspirarão contra você. Se você deixar um número cada vez maior de pretendentes esperando demais, não vai despertar o desejo mas, sim, a desconfiança. As pessoas vão começar a perder o interesse. Você vai acabar achando que vale mais a pena se comprometer com uma das partes — nem que seja só pelas aparências, para provar que é capaz de ser solidário.

Mesmo nesse caso, entretanto, a chave será manter a sua independência interior — não se permitir envolver emocionalmente. Preservar a opção tácita de poder sair a qualquer momento e reclamar a sua liberdade, se o partido ao qual você se aliou ameaçar vir abaixo. Os amigos que você fez, enquanto estava sendo cortejado, lhe oferecerão um lugar para ir depois de abandonar o navio.

Fonte: "As 48 leis do Poder", Robert Greene e Joost Elffers, Editora Rocco, 2000

terça-feira, 11 de fevereiro de 2014

Lei 19 - Saiba com quem está lidando - não ofenda a pessoa errada

No mundo há muitos tipos diferentes de pessoas, e você não pode esperar que todas reajam da mesma forma às suas estratégias. Engane ou passe a perna em certas pessoas e elas vão passar o resto da vida procurando se vingar de você. São lobos em pele de cordeiro. Cuidado ao escolher suas vítimas e adversários. Na sua ascensão ao poder você pode cruzar com vários tipos de adversários, otários e vítimas. A arte do poder na sua forma mais refinada está em saber distinguir lobos de cordeiros, raposas de lebres, gaviões de abutres. Se você fizer bem essa distinção, conseguirá o que quer sem precisar coagir ninguém.

Mas se lidar às cegas com quem quer que cruzar o seu caminho, viverá em constante pesar, se chegar a viver tanto assim. Ser capaz de reconhecer os tipos de pessoas, e agir de acordo, é importantíssimo. Os tipos a seguir são os cinco mais perigosos e difíceis da selva, conforme identificados por artistas — vigaristas ou não — do passado. O Homem Arrogante e Orgulhoso. Embora ele possa inicialmente disfarçar isso, a suscetibilidade orgulhosa deste homem o toma muito perigoso. Ao mais leve sinal, ele quer se vingar de uma forma extremamente violenta. Você pode dizer, “Mas eu só falei isso-e-aquilo numa festa, onde estavam todos bêbados...” Não importa. Não há sanidade na sua reação exagerada, portanto não perca tempo tentando entendê-lo. Se em algum momento, ao lidar com uma pessoa, você perceber um orgulho exageradamente sensível e ativo, fuja. Seja lá o que você estiver esperando dela, não vale a pena.

O Homem Irremediavelmente Inseguro. Este homem está relacionado com o tipo orgulhoso e arrogante, mas é menos violento e mais difícil de identificar. Seu ego é frágil, sua noção de identidade insegura, e se ele se sentir enganado ou atacado, a mágoa fica contida. Ele o irá mordendo aos poucos, e vai levar um tempão para essa mordida aumentar e você perceber o que está acontecendo. Se você descobrir que enganou ou magoou um homem desses, suma por um bom tempo. Não fique perto dele, ou ele o irá mordiscando até você morrer.

O Desconfiado. Outra variante dos tipos acima é um futuro Stalin. Ele vê o que ele quer ver — em geral, o pior — nas outras pessoas e imagina que todos estão atrás dele. O desconfiado é de fato o menos perigoso dos três: genuinamente desequilibrado, ele é fácil de enganar, assim como o próprio Stalin era constantemente iludido. Jogue com a sua natureza desconfiada para fazê-lo se voltar contra as outras pessoas. Mas, se você se tornar o alvo das suas desconfianças, cuidado.

A Serpente de Longa Memória. Se magoado ou enganado, este homem não demonstrará superficialmente a sua raiva, ele vai calcular e aguardar. Depois, quando estiver em posição de virar a mesa, irá reclamar uma vingança marcada por uma fria sagacidade. Reconheça este homem por sua cautela e astúcia em diferentes áreas da sua vida. Ele costuma ser frio e insensível. Redobre a sua atenção com esta serpente, e, se você de alguma forma o feriu, esmague-o totalmente ou tire-o da sua frente. O Homem Simples, Despretensioso, com Freqüência Pouco Inteligente. Ah, suas orelhas coçam quando você encontra uma vítima tão tentadora. Mas este homem é muito mais difícil de enganar do que você imagina. Cair num engodo em geral exige inteligência e imaginação — uma idéia da possibilidade de lucrar alguma coisa com isso. O homem bronco não morde a isca porque não a reconhece. Ele é distraído a esse ponto. O perigo não é que este homem vá magoá-lo ou querer se vingar, mas tentar enganá-lo é simplesmente perda de tempo, energia e recursos, e até da sua sanidade mental. Tenha à mão um teste para o otário — uma piada, uma história. Se a reação dele for totalmente literal, este é o tipo com o qual está lidando. Se quiser continuar, o risco é por sua Conta.

Não pense jamais que a pessoa com quem está lidando é mais fraca ou menos importante do que você. Alguns homens demoram para se ofender, o que pode levar você a achar que são insensíveis, e a não se preocupar em insultá-los. Mas ofendidos na sua honra e orgulho, partirão para cima de você com uma violência que parece repentina e exagerada pela demora da reação. Se você quer se opor a alguém, é melhor agir com educação e respeito, mesmo achando a solicitação atrevida ou a oferta absurda. Não rejeite as pessoas insultando-as antes de conhecê-las melhor. Os homens, na sua maioria, aceitam a humilhação de terem sido enganados com uma certa resignação. Eles aprendem a lição, reconhecendo que nada é gratuito, e que foi a sua própria ganância pelo dinheiro fácil que os derrubou. Alguns, entretanto, recusam-se a engolir o sapo. Em vez de refletir sobre a própria ingenuidade e avareza, eles se consideram vítimas totalmente inocentes.

Homens assim podem parecer estar pregando a justiça e a honestidade, mas na verdade são pessoas excessivamente inseguras. O fato de terem passado por idiotas, de terem sido enganados, ativou essa insegurança e eles ficam desesperados para consertar o dano.

Todo mundo é inseguro, e quase sempre a melhor maneira de se enganar um trouxa é jogando com suas inseguranças. Mas quando se trata de poder, tudo é uma questão de grau. E a pessoa decididamente mais insegura do que a média dos mortais representa um grande perigo. Cuidado: se você pratica algum tipo de fraude ou dissimulação, estude bem a sua vítima. A insegurança e a fragilidade do ego de algumas pessoas não suportam a mais leve ofensa. Para saber se está lidando com um desses tipos, teste-o primeiro — brinque de leve, digamos, às suas custas. A pessoa confiante achará graça; a excessivamente insegura reagirá como a um insulto pessoal. Se você desconfia de que está lidando com um tipo assim, procure outra vítima. Você nunca sabe ao certo com quem está lidando. O homem que hoje não é importante nem rico pode ser uma pessoa poderosa amanhã. Esquecemos de muitas coisas nas nossas vidas, mas raramente de um insulto.

Saber avaliar as pessoas e conhecer com quem você está lidando é o mais importante para conquistar e manter o poder. Sem essa habilidade você fica cego: não só ofenderá as pessoas erradas, como escolherá para trabalhar os tipos errados, e pensará que está elogiando as pessoas quando na verdade as está insultando. Antes de iniciar qualquer movimento, avalie a sua vítima ou adversário em potencial. Do contrário, estará desperdiçando o seu tempo e criando mal-entendidos. Estude as fraquezas das pessoas, as brechas nas suas armaduras, as suas áreas de orgulho e insegurança. Conheça as suas particularidades, antes de decidir se deve ou não fazer negócio com elas.

Mais duas palavras de alerta: primeiro, ao julgar e avaliar o seu adversário, não confie jamais nos seus instintos. Você cometerá o maior erro da sua vida se confiar em indicadores tão imprecisos. Nada pode substituir o conhecimento concreto. Estude e espione o seu adversário pelo tempo que for necessário; valerá a pena a longo prazo. Segundo, não confie nas aparências. Um coração de serpente pode se esconder sob um manto de aparente bondade; quem externamente faz muito escarcéu costuma ser na realidade um covarde. Aprenda a entender as aparências com suas contradições. Não confie na versão que as pessoas dão de si próprias — ela não é nada confiável.

Creia, não há pessoas tão insignificantes e desprezíveis, e elas podem, qualquer dia desses, ser úteis a você; o que elas certamente não serão se você já as tratou com desprezo. Injustiças se esquecem, desprezo, jamais. Nosso orgulho guarda essa lembrança para sempre. 
Lord Chesterfield, 1694-1773





O INVERSO


Que benefício pode haver em não conhecer os outros? Aprenda a diferenciar leões de cordeiros, ou arque com as conseqüências. Obedeça totalmente a esta lei, ela não tem inverso — nem se preocupe em procurar.


Fonte: "As 48 leis do Poder", Robert Greene e Joost Elffers, Editora Rocco, 2000

sábado, 8 de fevereiro de 2014

Lei 18 - Não construa fortalezas para se proteger - o isolamento é perigoso

O mundo é perigoso e os inimigos estão por toda a parte – todos precisam se proteger. Uma fortaleza parece muito segura. Mas o isolamento expõe você a mais perigos do que o protege deles – você fica isolado de informações valiosas, transformase num alvo fácil e evidente. Melhor circular entre as pessoas, descobrir aliados, se misturar. A multidão serve de escudo contra os seus inimigos. Retire-se para uma fortaleza e você perde o contato com as fontes do seu poder. Você não ouve o que esta acontecendo ao seu redor, e perde o senso de limite. Em vez de ficar mais seguro, você se isola do conhecimento de que depende para viver. Não se distancie tanto das ruas a ponto de não escutar mais o que acontece por perto, inclusive o que estão tramando contra você.

Maquiavel argumenta que num sentido estritamente militar a fortaleza é sempre um erro. Ela se torna símbolo do isolamento do poder, e é um alvo fácil para os inimigos do seu construtor. Projetada para defender você, a fortaleza na verdade o isola de qualquer tipo de ajuda e tolhe a sua flexibilidade. Ela pode parecer inexpugnável, mas depois que você se enfiou lá dentro, todos sabem onde você está; e não é preciso ter êxito num cerco para transformar a sua fortaleza numa prisão. Com seus espaços pequenos e confinados, as fortalezas são extremamente vulneráveis à peste e a doenças contagiosas.

Do ponto de vista estratégico, o isolamento de uma fortaleza não oferece proteção, e cria mais problemas do que soluções. Como os seres humanos são criaturas sociais por natureza, o poder depende da interação social e da circulação. Para se tornar poderoso, você deve se colocar no centro das coisas, como fez Luís XIV em Versalhes.

Toda atividade deve girar em torno de você, e você deve estar atento a tudo que acontece na rua, e a qualquer pessoa que possa estar armando planos contra você. Para a maioria das pessoas, o perigo surge quando elas se sentem ameaçadas. Nessas ocasiões elas tendem a se retrair e cerrar fileiras, buscar a segurança em algum tipo de fortaleza. Ao fazer isso, entretanto, elas passam a depender das informações de um círculo cada vez menor, e perdem a perspectiva do que ocorre ao redor. Elas perdem a capacidade de manobra e se tornam alvos fáceis, e o isolamento as torna paranoicas. Como na guerra e na maioria dos jogos estratégicos, o isolamento quase sempre precede a derrota e a morte.

Nos momentos de incerteza e perigo, você precisa lutar contra este desejo de se voltar para dentro. Em vez disso, torne-se mais acessível, busque antigos e novos aliados, force a sua entrada em círculos mais numerosos e diferentes. Este tem sido o truque das pessoas poderosas por séculos.

O estadista romano Cícero era da nobreza inferior e tinha poucas chances de poder a não ser que conseguisse abrir espaço entre os aristocratas que controlavam a cidade. Ele fez isso com brilhantismo, identificando todas as pessoas influentes e descobrindo as conexões entre elas. Ele se misturava por toda parte, conhecia todo mundo, e tinha uma rede de conexões tão vasta que um inimigo aqui poderia facilmente ser contrabalançado por um aliado ali.

O estadista francês Talleyrand fazia o mesmo jogo. Embora viesse de uma das famílias aristocráticas mais antigas da França, ele fazia questão de manter contato com o que estava acontecendo nas ruas de Paris, o que lhe permitia prever tendências e problemas. Ele sentia até um certo prazer em se misturar com tipos criminosos de má fama, que lhe forneciam informações valiosas. Sempre que havia uma crise, uma transição de poder — o fim do Diretório, a queda de Napoleão, a abdicação de Luís XVIII—, ele conseguia sobreviver e até prosperar, porque jamais se fechou num círculo pequeno, associando-se sempre com a nova ordem.

Esta lei é para reis e rainhas, e para quem está nos níveis máximos do poder: assim que você perde contato com o seu povo, buscando a segurança no isolamento, a rebelião começa a fermentar. Não pense jamais estar num cargo tão elevado a ponto de se permitir o luxo de se afastar até mesmo do escalão mais baixo. Retirando-se para uma fortaleza, você se torna alvo fácil dos seus súditos conspiradores, que vêem o seu isolamento como um insulto e motivo para rebelião.

Como os seres humanos são criaturas muito sociais, segue-se daí que as artes sociais que nos tornam companhias agradáveis só podem ser praticadas pela constante exposição e circulação. Quanto mais você está em contato com os outros, mais gracioso e à vontade você se toma. O isolamento, por sua vez, gera uma estranheza nos seus gestos que leva a um isolamento ainda maior, quando as pessoas passam a evitar você. Em 1545, o duque Cosimo 1 de Medici resolveu, para garantir a imortalidade do seu nome, encomendar alguns afrescos para a capela principal da igreja de San Lorenzo, em Florença. Ele podia escolher entre vários bons pintores, e acabou ficando com Jacopo da Pontormo. Já com uma certa idade, Pontormo quis fazer destes afrescos a sua obra-prima e herança para a humanidade. Sua primeira decisão foi fechar a capela com paredes, divisórias e cortinas. Não queria que ninguém testemunhasse a criação da sua obra-prima, ou roubasse as suas idéias. Ele superaria o próprio Michelangelo. Quando alguns rapazes curiosos forçaram a entrada na capela, Jacopo a trancou ainda mais.

Pontormo encheu o teto da capela com cenas bíblicas — a Criação, Adão e Eva, a arca de Noé, e outras. No alto da parede central ele pintou Cristo em toda sua majestade, ressuscitando os mortos no Dia do Juízo Final. O artista trabalhou na capela durante onze anos, raramente saindo de lá, visto que desenvolvera uma fobia pelo contato humano e temia que roubassem suas idéias.

Pontormo morreu antes de completar os afrescos, e nenhum deles sobreviveu. Mas o grande escritor renascentista, Vasari, amigo de Pontormo que os viu logo depois da morte do artista, deixou registrado o que ele achou. A falta de proporção era total. As cenas esbarravam umas nas outras, figuras de histórias diferentes se justapunham, numa quantidade enlouquecedora. Pontormo ficara obcecado com os detalhes, mas perdera o sentido da composição em geral. Vasari interrompeu a descrição dos afrescos dizendo que, se continuasse, “Acho que enlouqueceria e ficaria tão enredado nesta pintura, assim como acredito que nos onze anos que Jacopo passou pintando, ele se confundiu e a todos que a viram”. Em vez de coroar a carreira de Pontormo, a obra foi a sua ruína.

Estes afrescos foram o equivalente visual dos efeitos do isolamento sobre a mente humana: uma perda de proporção, uma obsessão por detalhes, combinada com uma incapacidade de ver o quadro geral, um tipo de feiúra extravagante que não comunica mais nada. Nitidamente, o isolamento é tão mortal para as artes criativas quanto para as artes sociais. Shakespeare é o escritor mais famoso da história da literatura porque, como dramaturgo dos palcos populares, ele se abriu para as massas, tornando as suas obras acessíveis a todos, independente de gosto e educação. Os artistas que se enfiam em suas fortalezas perdem as medidas, suas obras comunicam apenas ao seu pequeno círculo de conhecidos. Esse tipo de arte permanece encurralada e impotente.

Por fim, como o poder é uma criação humana, ele aumenta inevitavelmente em contato com outras pessoas. Em vez de ceder à mentalidade da fortaleza, veja o mundo da seguinte maneira: ele é um imenso Versalhes, cada quarto se comunicando com o outro. Você precisa ser permeável, capaz de entrar e sair de círculos diferentes e misturar-se com diferentes tipos de pessoas. É essa mobilidade e contato social que o protegerão de conspiradores, que não conseguirão esconder de você os seus segredos, e de inimigos, que não conseguirão isolar você dos seus aliados. Sempre mudando, você se mistura nos quartos do palácio, sem se sentar ou descansar num único lugar. Não há caçador capaz de acertar a mira sobre uma criatura tão ligeira.

Um príncipe bom e sábio, desejoso de manter esse caráter e impedir que seus filhos tenham oportunidade de se tornar tirânicos, não construirá fortalezas, para que eles possam confiar na boa vontade de seus súditos e não na força de cidadelas.
Nicolau Maquiavel, 1469-1527



O isolamento é um perigo para a razão, sem favorecer a virtude... Lembre-se de que o mortal solitário é certamente lascivo, provavelmente supersticioso e possivelmente louco.
Dr. Samuel Johnson, 1709-1784



O INVERSO

Nem sempre é certo e propício escolher o isolamento. Sem escutar o que acontece lá fora, você não pode se proteger. O contato humano constante só não facilita o pensamento. A constante pressão da sociedade para que tudo esteja de acordo, e a falta de um distanciamento das outras pessoas, torna impossível pensar com clareza sobre o que está acontecendo ao seu redor. Como um recurso temporário, portanto, o isolamento ajuda você a ver melhor as coisas. Muitos pensadores sérios foram produzidos nas prisões, onde a única coisa que se tem para fazer é pensar. Maquiavel só pôde escrever O príncipe porque estava exilado e sozinho no campo, longe das intrigas políticas de Florença.

O perigo, entretanto, é que esse isolamento gere idéias estranhas e pervertidas. Você pode ter uma perspectiva geral melhor, mas perde a noção da sua própria pequenez e limitações. Também, quanto mais isolado você estiver, mais difícil será sair do seu isolamento quando quiser — sem perceber, você caiu num poço de areia movediça. Mas se você precisa de tempo para pensar, só escolha o isolamento como último recurso, e apenas em pequenas doses. Preste atenção para deixar aberto o caminho de volta à sociedade.

Fonte: "As 48 leis do Poder", Robert Greene e Joost Elffers, Editora Rocco, 2000

terça-feira, 4 de fevereiro de 2014

Lei 17 - Mantenha os outros em um estado latente de terror: Cultive uma atmosfera de imprevisibilidade

Os homens são criaturas de hábitos com uma necessidade insaciável de ver familiaridade nos atos alheios. A sua previsibilidade lhes dá um senso de controle. Vire a mesa: seja deliberadamente imprevisível. O comportamento que parece incoerente ou absurdo os manterá desorientados, e eles vão ficar exaustos tentando explicar seus movimentos. Levada ao extremo, esta estratégia pode intimidar e aterrorizar. O xadrez contém a essência da vida: primeiro, porque para vencer você tem que ser extremamente paciente e previdente; segundo, porque o jogo se baseia em padrões, sequências inteiras de movimentos que já foram feitos antes e continuarão sendo feitos, com ligeiras alterações, em qualquer jogo.

O adversário analisa os padrões que você está usando e os aproveita para tentar prever os seus movimentos. Não lhe dando nada de previsível em que basear a sua estratégia, você consegue uma grande vantagem. No xadrez, como na vida, quando não conseguem imaginar o que você está fazendo, as pessoas ficam em estado de terror — aguardando, incertas, confusas.

Nada é mais aterrorizante do que o repentino e imprevisível. Por isso tememos tanto os terremotos e tornados: não sabemos quando eles vão acontecer. Depois do primeiro, esperamos aterrorizados o segundo. Em grau menor, é assim que o comportamento humano imprevisível atua sobre nós.

Os animais têm um padrão fixo de comportamento, por isso é possível caçá-los e matá-los. Só o homem tem a capacidade de alterar conscientemente o seu comportamento, de improvisar e se livrar do peso da rotina e do hábito. Mas a maioria dos homens não percebe esse poder. Preferem o conforto da rotina, da natureza animal que os faz repetir sempre as mesmas ações, compulsivamente várias vezes. Agem assim pela lei do menor esforço, e porque se enganam achando que se não perturbarem ninguém, ninguém o perturbará. Compreenda: a pessoa com poder infunde um certo medo ao perturbar deliberadamente as pessoas a sua volta mantendo a iniciativa do seu lado. Às vezes você precisa atacar de repente, deixar os outros tremendo quando menos esperam por isso. E um artifício usado pelos poderosos há séculos. Filippo Maria, o último dos duques Visconti de Milão, na Itália do século XV, fazia conscientemente o contrário do que se esperava dele. Por exemplo, às vezes ele enchia de atenções um cortesão, e aí, quando o homem já estava começando a achar que ia ser promovido, de um momento para o outro ele passava a tratá-lo com o maior desprezo. Confuso, o homem deixava a corte, mas o duque de repente se lembrava dele e voltava a tratá-lo bem.

A imprevisibilidade é com freqüência a tática do mestre, mas o pobre-diabo também pode usá-la com grande eficácia. Se você estiver em minoria ou encurralado, faça uma série de movimentos imprevisíveis. Seus inimigos ficarão tão confusos que se retrairão ou cometerão um erro tático.

Na primavera de 1862, durante a Guerra Civil americana, o general Stonewall Jackson, com um exército de 4.600 soldados confederados, estava atormentando os exércitos maiores da União no vale Shenandoah. Enquanto isso, não muito longe dali, o general George Brinton McClellan, chefiando um exército de 90 mil soldados da União, saía de Washington marchando para o sul a fim de cercar Richmond, na Virgínia, a capital confederada. Durante aquela campanha, Jackson várias vezes saiu com seus soldados do vale Shenandoah e depois voltou.

Seus movimentos não faziam sentido. Estaria ele se preparando para ajudar a defender Richmond? Estaria marchando sobre Washington, agora que a ausência de McClellan a deixara desprotegida? Dirigia-se para o norte para arrasar tudo por lá? Por que o seu pequeno exército se movia em círculos?

Os movimentos inexplicáveis de Jackson fizeram os generais da União retardarem a marcha sobre Richmond, enquanto aguardavam para descobrir o que ele estava tramando. Nesse meio tempo, o Sul conseguiu enviar reforços para a cidade. Uma batalha que poderia ter esmagado a Confederação se transformou num empate. Jackson usou esta tática repetidas vezes ao enfrentar forças numericamente superiores.

“Desoriente, confunda e surpreenda o inimigo sempre, se possível”, dizia ele, “... essas táticas vencerão sempre e um pequeno exército será capaz, portanto, de destruir outro maior.”

Esta lei se aplica não só à guerra, mas às situações do cotidiano. Os outros estão sempre tentando entender o motivo das suas ações e usar a sua previsibilidade contra você. Faça um movimento totalmente imprevisível e os colocará na defensiva. Sem entender nada, eles ficam aflitos e, nesse estado, é fácil intimidá-los. Pablo Picasso disse certa vez, “O melhor cálculo é a ausência de cálculo. Quando você alcança um certo grau de reconhecimento, os outros em geral imaginam que se você faz alguma coisa, deve ser por um motivo inteligente. Portanto, é tolice planejar com muito cuidado e antecedência os seus movimentos. É melhor agir caprichosamente”.

Durante uns tempos, Picasso trabalhou com o marchand Paul Rosenberg. Deixava-o livre para vender seus quadros, mas um dia, sem nenhum motivo aparente, ele disse ao sujeito que não lhe daria mais nenhuma obra para vender. Segundo Picasso, “Rosenberg ficou quarenta e oito horas tentando imaginar por quê. Eu estaria reservando peças para um outro marchand? Eu continuava trabalhando e dormindo, e Rosenberg imaginando. Dois dias depois ele voltou, nervoso, ansioso, dizendo, ‘Afinal de contas, caro amigo, você não me abandonaria se eu lhe oferecesse tudo isso, dizendo uma quantia substancialmente maior, por esses quadros em vez do preço que estou acostumado a pagar, não é mesmo?”’

A imprevisibilidade não é apenas um instrumento de terror: embaralhando os seus padrões diariamente, você agita as coisas e estimula o interesse. As pessoas falarão de você, atribuirão motivos e darão explicações que nada têm a ver com a verdade, mas estarão sempre pensando em você. No final, quanto mais caprichoso você parecer, mais respeito conquistará. Só os extremamente subordinados agem de maneira previsível.

O governante esclarecido é tão misterioso que parece não ter morada, é tão inexplicável que não se sabe onde buscá-lo. Ele repousa na inação lá em cima, e seus ministros tremem cá em baixo. Han-fei-tzu, filósofo chinês, século 3 a.C.

A vida na corte é um jogo de xadrez sério e melancólico, onde temos que colocar em formação nossas armas e batedores, criar um plano, persegui-lo e nos defender do plano do nosso adversário. Às vezes, entretanto, é melhor arriscar e fazer a jogada mais caprichosa e imprevisível.
Jean de La Brugêre, 1645-1696



O INVERSO

Às vezes, a previsibilidade funciona a seu favor: criando um padrão com o qual as pessoas se sintam à vontade, você as deixa anestesiadas. Elas armam tudo de acordo com o que sabem sobre você. Essa tática pode ser útil de várias maneiras: primeiro, é uma cortina de fumaça, uma fachada confortável por trás da qual você poderá enganar os outros. Segundo, permite que você em raras ocasiões faça algo totalmente contrário ao padrão, perturbando de tal forma o adversário que ele desmonta sozinho.

Em 1974, Muhammad Ali e George Foreman estavam prestes a se enfrentar numa luta do campeonato mundial de boxe de pesos pesados. Todos sabiam o que ia acontecer: o grandalhão George Foreman tentaria acertar um nocaute enquanto Ali dançaria ao seu redor, até ele ficar exausto. Era assim que Ali lutava, esse era o seu padrão, e há dez anos ele fazia a mesma coisa. Mas neste caso isso parecia dar a Foreman uma vantagem: ele tinha um soco devastador e, se esperasse, mais cedo ou mais tarde Ali teria de se aproximar. Ali, mestre estrategista, tinha outros planos: nas entrevistas coletivas antes da grande luta, ele disse que ia mudar de estilo e socar Foreman. Ninguém, muito menos Foreman, acreditou. O plano era um suicídio; Ali estava brincando, como de costume. Mas aí, antes da luta, o treinador de Ali afrouxou as cordas do rinque, como é hábito fazer quando um boxeador pretende ser muito agressivo. Ninguém, entretanto, acreditou na manobra; só podia ser uma armação. Para espanto de todos, Ali fez exatamente o que tinha dito. Enquanto Foreman esperava que ele começasse a dançar ao seu redor, Ali partiu direto para cima dele e lhe deu um soco. E perturbou totalmente a estratégia do adversário. Confuso, Foreman acabou exausto, não corria atrás de Ali mas disparava socos feito um desvairado, recebendo outros tantos de volta. Finalmente, Ali acertou um cruzado de direita drástico que nocauteou Foreman.

O hábito de supor que o comportamento de uma pessoa se ajustará sempre aos seus padrões anteriores é tão arraigado que nem mesmo Ali, anunciando uma mudança de estratégia, conseguiu alterar isso. Foreman caiu numa armadilha — a armadilha sobre a qual tinham lhe avisado.

Atenção: a imprevisibilidade às vezes é um tiro que sai pela culatra, especialmente se você estiver numa posição inferior. Há ocasiões em que é melhor deixar as pessoas ao seu redor se sentindo à vontade e tranqüilas. O excesso de imprevisibilidade é visto como sinal de indecisão, ou até de algum problema psíquico mais grave. Os padrões têm um poder muito grande, e se você os quebra pode deixar as pessoas assustadíssimas. Deve se ter bom senso ao usar esse poder.

Fonte: "As 48 leis do Poder", Robert Greene e Joost Elffers, Editora Rocco, 2000

sábado, 1 de fevereiro de 2014

Lei 16 - Use a ausência para alimentar o respeito e a honra

Circulação em excesso faz os preços caírem: quanto mais você é visto e escutado, mais comum vai parecer. Se você já se estabeleceu em um grupo, afastando-se temporariamente se tornará uma figura mais comentada, até mais admirada. Você deve saber quando se afastar. Crie um valor com a escassez.

O que se retrai, o que se torna escasso, de repente parece merecer o nosso respeito e estima. O que permanece tempo demais, saturando-nos com sua presença, desperta o nosso desprezo. Na Idade Média, as senhoras exigiam constantemente de seus cavaleiros provas de amor, enviando-os para longas e árduas buscas — tudo para criar uma oscilação entre ausências e presenças.

Tudo no mundo depende de ausências e presenças. Uma forte presença atrai o poder e as atenções para você — você brilha mais do que as pessoas ao seu redor. Mas tem um ponto, inevitavelmente, em que a presença em demasia cria o efeito contrário: quanto mais você é visto e ouvido, mais o seu valor diminui. Você se torna um hábito. Não importa o quanto você tente ser diferente, sutil, sem você saber por que as pessoas começam a respeitá-lo cada vez menos. E preciso aprender a se retirar no momento certo, antes que elas inconscientemente o forcem a isso. E um jogo de pique-esconde. A verdade dessa lei pode ser comprovada facilmente quando se trata de amor e sedução. No início, a ausência da pessoa amada estimula a sua imaginação, envolvendo, a ele ou a ela, numa espécie de aura. Mas esta aura desaparece quando você sabe demais — quando a sua imaginação não tem mais espaço para divagar. O ser amado se torna uma pessoa como outra qualquer, alguém cuja presença não desperta mais tanto interesse. E por isso que a cortesã francesa do século XVII aconselhava fingir sempre está se afastando da pessoa amada. “O amor não morre de inanição”, ela escreveu, “mas com freqüência, sim, de indigestão.”

Quando você se permite ser tratado como uma pessoa qualquer, já é tarde demais — já foi engolido e digerido. Para que isso não aconteça, você tem de deixar que o outro anseie pela sua presença. Imponha respeito ameaçando-o com a possibilidade de perdê-lo para sempre; crie um padrão de presenças e ausências. Depois de morto, tudo relacionado com você muda. Você fica imediatamente envolto numa aura de respeitabilidade. As pessoas se lembram das críticas que lhe fizeram, das discussões que vocês tiveram, e ficam cheias de arrependimento e culpa. Elas sentem falta de uma presença que não voltará mais. Mas você não precisa esperar até morrer: afastando-se totalmente por uns tempos, você cria uma espécie de morte anterior à morte. E, quando voltar, será como se estivesse voltado do outro mundo — um clima de ressurreição ficará associado a você, e as pessoas se sentirão aliviadas com a sua volta.

Outro aspecto mais corriqueiro desta lei, mas que demonstra ainda melhor a sua verdade, é a lei da escassez na economia. Retirando um produto do mercado, você cria instantaneamente um valor.

Ajuste a lei da escassez às suas próprias habilidades. Torne raro e difícil de encontrar aquilo que você oferece ao mundo, e estará na mesma hora aumentando o seu valor.

Sempre chega a hora em que aqueles que estão no poder abusam da nossa hospitalidade. Ficamos cansados deles, perdemos o respeito; passamos a vê-los como iguais ao resto da humanidade, o que significa dizer que os vemos como piores, pois inevitavelmente comparamos o que vemos agora com o que víamos antes. E uma arte saber quando se retirar. Praticando-a corretamente, recupera-se o respeito perdido e se conserva uma parte do seu poder.

Torne-se disponível demais e a aura de poder que você construiu a sua volta desaparecerá. Vire o jogo: Torne-se menos acessível e aumentará o valor da sua presença.

O INVERSO

Esta lei só se aplica depois que já se alcançou um certo nível de poder. A necessidade de se retirar de cena só aparece depois que você estabeleceu a sua presença; afaste-se cedo demais, e você não será mais respeitado, será simplesmente esquecido. Quando você estiver começando a atuar no palco do mundo, crie uma imagem que possa ser reconhecida, reproduzida e vista por toda a parte. Enquanto você não alcançar este status, a ausência é perigosa — em vez de atiçar as chamas, ela as extinguirá.

No amor e na sedução, similarmente, a ausência só é eficaz se você tiver envolvido o outro com a sua própria imagem, se ele, ou ela, já o estiver vendo por toda a parte. Tudo deve lembrar ao seu amor da sua presença, de tal forma que, se você resolver se afastar, ele estará sempre pensando em você, sempre vendo você mentalmente. Lembre-se: no início, não desapareça, seja onipresente. Só o que é visto, apreciado e amado deixará saudades na sua ausência.

Use a ausência para criar respeito e estima. Se a presença diminui a fama, a ausência a faz crescer. O homem que quando ausente é considerado um leão torna-se, quando presente, comum e ridículo. Os talentos perdem o brilho quando nos acostumamos a eles, pois o revestimento exterior da mente é visto com mais facilidade do que o seu núcleo interior mais rico. Até mesmo o grande gênio se retrai para que os homens o respeitem e para que o desejo despertado por sua ausência o faça estimado.
Baltasar Gracián, 1601-1658

Fonte: "As 48 leis do Poder", Robert Greene e Joost Elffers, Editora Rocco, 2000