segunda-feira, 27 de dezembro de 2010

[parte 02] Mentes Inquietas - Você tem algo de TDA em você?

Ao ler a lista a seguir, considere a freqüência e a intensidade com as quais as situações ocorrem. Se, pelo menos, 35 das opções forem positivas cabe um quadro de atenção.

1 – Desvia-se facilmente sua atenção do que está fazendo quando recebe um pequeno estímulo. Um assobio do vizinho é suficiente para interromper uma leitura.

2 – Tem dificuldade em prestar atenção à fala dos outros. Numa conversa com outra pessoa tende a captar apenas “pedaços” soltos no assunto.

3 – Desorganização cotidiana. Tende a perder objetos (chaves, celular, canetas, papéis), atrasar-se ou faltar a compromissos, esquecer o dia de pagamento de contas (luz, gás, telefone, seguro).

4 – Freqüentemente apresenta “brancos” durante uma conversa. A pessoa está explicando um assunto e, no meio da fala, esquece o que ia dizer.

5 – Tendência a interromper a fala do outro. No meio de uma conversa lembra-se de algo e fala sem esperar o outro completar seu raciocínio.

6 – Costuma cometer erros de fala, leitura ou escrita. Esquece uma palavra no meio de uma frase, pronuncia errado ou “come” sílabas de palavras longas.

7 – Presença de hiperfoco – concentração intensa em um único assunto num determinado período. Um TDA pode ficar horas a fio ao computador sem se dar conta do que acontece ao seu redor.

8 – Dificuldade de permanecer em atividades obrigatórias de longa duração. Participar como ouvinte de uma palestra em que o tema não seja motivo de grande interesse e não o faça entrar em hiperfoco, por exemplo.

9 – Interrompe tarefas no meio. Um TDA freqüentemente não lê um artigo de revista até o fim ou ouve um CD inteiro.

10 – Tem dificuldade em permanecer sentado por muito tempo. Durante uma palestra ou sessão de cinema, costuma se mexer o tempo todo na tentativa de permanecer em seu lugar.

11 – Esta sempre mexendo com os pés e as mãos. São os indivíduos que têm os pé “nervosos”, girando sua cadeira de trabalho, ou que estão sempre com as mãos ocupadas, pegando objetos, desenhando em papeis ou ainda ajeitando a roupa ou os cabelos.

12 – Apresenta constante sensação de inquietação ou ansiedade. Um TDA tem a sensação de que tem algo a fazer ou pensar, de que alguma coisa está faltando.

13 – Tendência a estar sempre ocupado com alguma problemática em relação a si ou com os outros. São as pessoas que ficam “remoendo” sobre suas falhas cometidas, ou ainda sobre os problemas de amigos ou conhecidos.

14 – Costuma fazer várias coisas ao mesmo tempo. É a pessoa que lê e vê TV ou ouve música simultaneamente.

15 – Envolve-se em vários projetos ao mesmo tempo. Um exemplo é a pessoa que tem diversas idéias simultaneamente e acaba por não levar a cabo nenhum delas em função desta dispersão.

16 – As vezes se envolve em situações de alto risco em busca de estímulos fortes, como dirigir em alta velocidade ou discussões intensas.

17 – Freqüentemente fala sem parar, monopolizando as conversas em grupo. É a pessoa que fala sem se dar conta de que as outras estão tentando emitir suas opiniões. Além disso, não se dá conta do impacto que o conteúdo de seu discurso pode estar causando a outras pessoas.

18 – Baixa tolerância a frustração. Quando quer algo não consegue esperar, se lança impulsivamente numa tarefa, mas, como tudo na vida requer tempo, tende a se frustar e desanimar facilmente. O TDA também se irrita com facilidade quando alguma coisa não sai da forma esperada ou quando é contrariado.

19 – Costuma responder a alguém antes que este complete a pergunta. Não consegue conter o impulso de responder ao primeiro estímulo criado pelo início de uma pergunta.

20 – Costuma provocar situações constrangedoras, por falar o que vem a mente sem filtrar o que vai ser dito. Durante uma discussão, um TDA pode deixar escapar ofensas impulsivas.

21 – Impaciência marcante no ato de esperar ou aguardar por algo. Filas, telefonemas, atendimento em lojas ou restaurantes podem ser uma tortura.

22 – Impulsividade para comprar, sair de empregos, romper relacionamentos, praticar esportes radicais, comer, jogar e etc. É aquela pessoa que rompe um relacionamento várias vezes e volta logo depois arrependida.

23 – Reage irrefletidamente às provocações, críticas ou rejeição. É o tipo de pessoa que explode de raiva ao sentir-se rejeitada.

24 – Tendência a não seguir regras ou normas preestabelecida. Um exemplo seria o trabalhador que teima em não usar equipamentos de segurança, apesar de saber da importância destes.

25 – Compulsividade. Na realidade a compulsão ocorre pela repetição constante dos impulsos, os quais, com o tempo, passa a fazer parte da vida dessas pessoas, como as compulsões por compras, jogos, alimentação e etc.

26 – sexualidade instável. Tende a apresentar período de grande impulsividade sexual alternados com fase de baixo desejo.

27 – Ações contraditórias. Um TDAé capaz de ter uma explosão de raiva por causa de um pequeno detalhe (por mexerem em sua mesa de trabalho, por exemplo) numa hora e, poucos momentos mais tarde, ser capas de uma grande demonstração de afeto, através de um belo cartão, flores ou um carinho explicito. Ou ainda ser um homem arrojado e moderno no trabalho e, ao mesmo tempo, tradicional e conservador no âmbito familiar e afetivo.

28 – Hipersensibilidade. O TDA costuma melindrar-se facilmente. Uma simples observação desfavorável sobre a cor de seus sapatos é suficiente para deixá-lo internamente arrasado, sentindo-se inadequado.

29 – Hiperreatividade. Essa é uma característica que faz com que o TDA se contagie facilmente com os sentimentos dos outros. Pode ficar profundamente triste ao ver alguém chorar, mesmo sem saber o motivo, ao mesmo tempo que pode ficar muito agitado ou irritado em ambientes barulhentos ou em presença de multidão.

30 – Tendência a culpar ou outros. Um TDA muitas vezes poderá culpar outra pessoa por seus fracassos e erros, como o aluno que culpa o colega de turma por ter errado uma questão da prova, já que este colega estava cantarolando baixinho na hora.

31 – Mudanças bruscas e repentinas de humor (instabilidade de humor). O TDA costuma mudar de humor rapidamente e várias vezes no mesmo dia. Isso depende dos acontecimentos externos ou ainda do seu estado cerebral, uma vez que o cérebro do TDA pode entrar em exaustão, prejudicando a modulação do seu estado de humor.

32 – Tendência a ser muito criativo e intuitivo. O impulso criativo do TDA é talvez a maior de suas virtudes. Pode-se manifestar nas mais diversas áreas do conhecimento humano.

33 – Tendência ao “desespero”. Quando um TDA se vê diante de uma dificuldade – seja ela de qualquer ordem – tende a vê-la como algo impossível de ser transposto e, com isso, sente-se tomado por uma grande sensação de incapacidade. Sua primeira reação é o “desespero”. Só mais tarde consegue raciocinar e constatar o verdadeiro peso que o problema tem. Isso ocorre porque seu cérebro apresenta dificuldades em acionar uma parte de memória chamada de funcional, cujo objetivo é trazer à mente situações vividas no passado e utilizá-las como instrumentos capazes de ajudar a encontrar saídas para as mais diversas problemáticas. Essa memória funcional parece ser bloqueada pela ativação precoce da impulsividade que, nesse tipo de pessoa, encontra-se hiperacionada.

34 – Tendência a ter um desempenho profissional abaixo do esperado para a sua real capacidade.

35 – Baixa autoestima. Em geral, o TDA sobre desde muito cedo uma grande carga de repreensões e críticas negativas. Sem compreender o porquê disso, com o passar do tempo, ele tende a ver de maneira depreciativa ou menos capas que os demais.

36 – Dependência química. Pode ocorrer como conseqüência do uso abusivo e impulsivo de drogas durante vários anos.

37 – Depressões freqüentes. Ocorrem em geral por uma exaustão cerebral associada às frustrações provenientes de relacionamentos malsucedidos e fracassos profissionais e sociais.

38 – Intensa dificuldade em manter relacionamentos afetivos.

39 – Demora excessiva para iniciar ou executar algum trabalho. Tais fatos ocorrem pela combinação nada produtiva de desorganização aliada a uma grande insegurança pessoal.

40 – Baixa tolerância ao estresse. Toda situação de estresse leva a um desgaste intenso da atividade cerebral. No caso de um cérebro TDA, esse desgaste se apresenta de maneira mais marcante.

41 – Tendência a apresentar o lado “criança” que aparecerá, por toda vida, na forma de brincadeiras, humor refinado, caprichos, pensamentos mágicos e intensa capacidade de fantasiar fatos e histórias.

42 – Tendência a tropeçar, cair ou derrubar objetos. Isso ocorre em função da dificuldade de se concentrar naquilo que sem propõe a fazer e de controlar ou coordenar a intensidade de seus movimentos.

43 – Tendência a apresentar uma caligrafia ruim ou difícil entendimento.

44 – Tensão pré-menstrual muito marcada. Ao que tudo indica, em função das alterações hormonais durante esse período, que TDA. A retenção de liquido que ocorre durante os dias que antecedem a menstruação parece ser um dos fatores mais importantes.

45 – Dificuldade em orientação espacial. Encontrar o carro no estacionamento do shopping quase sempre é um desafio para um TDA.

46 – Avaliação temporal prejudicada. Espera por um TDA pode ser algo muito desagradável, pois em geral sua noção de tempo nunca corresponde ao tempo real.

47 - Tendência à inversão dos horário de dormir. Em geral adormece e desperta tardiamente, por isso alguns deles acabam se viciando em tranqüilizantes, ansiolíticos ou hipnóticos.

48 – Hipersensibilidade a ruídos, principalmente se repetidos. Uma torneira pingando pode ser o suficiente para irritar ou desconcentrar um TDA.

49 – Tendência a exercer mais de uma atividade profissional, simultânea ou não.

50 – História familiar positiva para TDA.

[parte 01] Mentes Inquietas - O que é TDA

Inicialmente é importante frisar que o livro se referenciará a palavra TDA como alguém com essa síndrome ou como a síndrome propriamente dita. Então eu posso ser um TDA ou podemos estudar o TDA. É basicamente composta de três indícios principais: dificuldade em manter a atenção, impulsividade exagerada e excesso de atividade física e/ou mental.

Dificuldade em manter a atenção

A dificuldade de manter a atenção é um dos principais fatores de quem tem esse transtorno. O interessante é que isso não significa que o TDA não preste a atenção em nada.

Ele dará uma ênfase absurda em alguns poucos assuntos que despertem muito seu interesse e não conseguirá dar igualmente atenção a outros assuntos que não despertem tanto interesse assim ou mesmo aqueles que não têm nenhum interesse, mas precisariam se concentrar por obrigação social, profissional ou qualquer que seja o motivo. Essa ciranda de falta de interesse não é visível para o TDA. São pessoas que sempre mudam de assunto do nada, te interrompem para falar de outra coisa fora do que estão falando e simplesmente não percebem tal ato.

Essas pessoas tendem a ter dificuldade nos relacionamentos pelos “pecados” que comentem constantemente e não percebem. Isso acarreta uma grande frustração para elas e o desprendimento de uma enorme quantidade de energia para conseguir se comportar como os outros, acarretando assim um enorme desgaste para fazer coisas simples e cotidianas.

Outro ponto importante é quando um TDA tenta fazer um determinado trabalho ou ação baseado em coisas que ele não se interessa. Geralmente acham que o resultado ficou abaixo do que considera bom quando na realidade geralmente o resultado fica ótimo. Por mais que você fale e prove que o trabalho tenha ficado bom, o TDA tende a sempre ter a sensação que o resultado ficou ruim. Essa desconexão com realidade se dá pelo excesso de atividade cerebral que um TDA tem. Seu cérebro passa por uma verdadeira tempestade de pensamentos constantemente, principalmente se o que está fazendo não for muito de seu interesse e se no momento está desejando se concentrar em outra coisa. Isso dificulta muito a mensuração e entendimento da real dimensão do está produzindo, prejudicando sua capacidade de julgamento. Essa dificuldade afeta principalmente a realização de trabalhos e metas preestabelecidas.

Impulsividade

A mente de uma pessoa TDA funciona como uma antena, ficando totalmente aberto a tudo que lhe passa perto. Situações ou coisas simples para a maioria das pessoas podem automaticamente despertar um interesse gigantesco para pessoas com TDA.

Como seu interesse é exagerado, sua força desprendida também é exagerada com relação a esse estímulo. Por isso vemos muitas vezes pessoas exagerando em coisas que achamos absurdas como comer demasiadamente, correr com seus automóveis, usar drogas, provocar brigas e outros. É muito importante que um TDA tenha real dimensão de sua impulsividade para que possa canalizá-la em coisas benéficas.

Um fato interessante é que, mesmo sendo impulsivo e exagerado sofrendo diversas vezes por isso no trabalho e relacionamentos, os TDAs jamais buscam a morte. Eles adoram viver a vida e a vivem de uma forma que chega “doer” de tão intensa. Tudo para o TDA é muito, é intenso, é tudo ou nada.

Hiperatividade física e mental

É muito fácil identificar a hiperatividade de um TDA. Quando crianças, eles se mostram agitados, movendo-se sem parar na sala de aula, em sua casa ou mesmo nos playgrounds. Chegam a andar aos pulos, como se seus passos fossem lentos demais para acompanhas a energia contida nos músculos. Em ambientes fechados, mexem em vários objetos ao mesmo tempo, derrubando grande parte deles na vontade de ver todos de uma vez.

Já nos adultos, essa hiperatividade costuma se apresentar de forma menos exuberante, uma adequação formal da hiperatividade da fase infantil. Podemos observar a hiperatividade física naqueles que “sacodem” incessantemente as pernas, “rabiscam” com constância papéis à sua frente, roem unhas, mexem o tempo todo nos cabelos, “dançam” em suas cadeiras de trabalho e estão sempre buscando algo para manter as mãos ocupadas.

A hiperatividade mental apresenta-se de maneira mais sutil, o que não significa que seja menos penosa que a hiperatividade física. Ela pode ser entendida como um “chiado” cerebral, tal qual um motor de automóvel desregulado que acaba por provocar um desgaste bastante acentuado.


O traço TDA


O TDE varia grandemente em intensidade, nas características e na forma como se manifesta. Pode-se dizer, em tom de brincadeira, que existe desde um “TDAzinho” até um “TDAzão”. O fato é que muitas pessoas não preenchem os critérios diagnósticos para TDA, mas apresentam, inequivocamente, alguns de seus sintomas. Em outros casos, elas podem até ter vários sintomas, porem com intensidade e freqüência insuficientes para caracterizar um clássico TDA.

Quando se recolhem informações de um paciente, tenta-se identificar o diagnóstico para o qual estas apontam. Muitas vezes consegue-se defini-lo; porem, em outras ocasiões, não se pode estabelecer o diagnóstico de forma definitiva. Contudo os traços (ou indícios) formam o esboço de algo, mas não são suficientes para se dar um veredicto final. No caso do TDA, pode-se não fechar um diagnóstico, mas vê-se claramente o esboço ali: traços de TDA.

Pessoas “levemente” TDAs podem não ter problemas causados pelas características do transtorno na mesma intensidade que levam os “inegavelmente” TDAs a buscar ajuda em consultórios médicos. E, caso tenham, será mais uma vez o grau de sofrimento e os prejuízos acarretados às suas atividades cotidianas que definirão a busca por ajuda por meio de tratamento.

O adulto “levemente” TDA por certo não deve ter muitas reclamações a fazer.Ele é dotado de um alto nível de energia e entusiasmo. Sua ligeira desorganização não é suficiente para atrapalhar o andamento de seus projetos. No trabalho, pode-se dizer que, quando sob pressão e desafio, esta pessoa consegue ter um desempenho melhor ainda.

A decisão pelo tratamento deve ser baseada em um exame cuidadoso do novel de desconforto experimentado pelo indivíduo e das exigências ambientais ao seu redor.

Mentes Inquietas - Iniciando...

Estou iniciando um novo livro chamado “Mentes Inquietas”, de Ana Beatriz Barbosa Silva, que trás um assunto e grande ascensão, o Transtorno de Déficit de Atenção/Hiperatividade ou TDA. O TDA é um transtorno muito comum em nossos dias. Várias pessoas são taxadas de vários adjetivos pela falta de informação sobre o assunto.

Após algumas conversas sobre TDA com pessoas conhecidas e a passagem por um neurologista, fiquei sabendo que também tenho traços dessa síndrome (traços não necessariamente significa que tenha a síndrome por completo, como já aprendi no livro) e ao ler esse livro, me deparei com muitos trechos de minha vida transcrita de forma resumida pela doutora Ana Beatriz. Além disso, estou aprendendo coisas sobre esse assunto que sinto que irão me ajudar muito.

Nos resumos que farei sobre esse livro não seguirei a seqüência do livro. Farei isso porque a estrutura do livro permite e que, pela ânsia de abordar temas mais interessante, estou dando preferência a alguns capítulos.

sexta-feira, 17 de dezembro de 2010

CONFISSÕES DE UM EX-DEPENDENTE DE IGREJA


Ótimo texto escrito por Paulo Brabo - criador do site http://www.baciadasalmas.com/

Outro dia um pastor observou que eu deveria confessar ao leitor impenitente da Bacia, que não tem como concluir isso lendo apenas o que escrevo, que não vou à igreja faz mais de dez anos. Ele dava a entender que essa confissão provocaria uma queda sensível na minha popularidade; percebi imediatamente que ele estava certo, e que mais cedo ou mais tarde teria, para podar os galhos da celebridade (porque a fama é uma espécie de compreensão), deixar de contornar indefinidamente o assunto.

Quanto mais penso na questão, no entanto, mais chego à conclusão que o que tenho de confessar é o contrário, e ao resto do mundo, não aos amigos que convivem com desenvoltura entre termos como gazofilácio, genuflexão, glossolalia e graça irresistível. Devo explicações à gente comum que vê o domingo, incrivelmente, como dia de descanso – dia de ir à praia, de andar de bicicleta no parque, de abraçar os amigos ao redor de um churrasco, de correr atrás de uma bola ou de encontrar a paz diante de uma lata de cerveja e uma tela radiante.
Preciso confessar que durante trinta anos fui consumidor de igreja. Durante trinta anos fui dependente de igreja e trafiquei na sua produção.

Devo confessar o mais grave, que durante esses anos abracei a crença (em nenhum momento abalizada pela Escritura ou pelo bom senso) que identificava a qualidade da minha fé com minha participação nas atividades – ao mesmo tempo inofensivas, bem-intencionadas e auto-centradas – de determinada agremiação. Em retrospecto continuo crendo em mais ou menos tudo que cria naquela época, porém essa crença confortante e peculiar (espiritualidade = participação na igreja institucional) fui obrigado contra a vontade, contra minha inclinação e contra a força do hábito, a abandonar.

Preciso deixar claro que não guardo daqueles anos qualquer rancor; de fato não trago deles nenhuma recordação que não esteja envolta em mantos de nostalgia e carinho. Ao contrário de alguns, não sinto de forma alguma ter sido abusado pela igreja institucional; sinto, ao invés disso, como se tivesse sido eu a abusar dela. Minha impressão clara não é ter sido prejudicado pela igreja, mas de tê-la usado de forma contínua e consistente para satisfazer meus próprios apetites – apetites por segurança, atenção, glória, entretenimento, aceitação.

Se hoje encaro aqueles dias como uma forma de dependência é porque acabei aceitando o fato de que a igreja como é experimentada – o conjunto de coisas, lugares, atividades e expectativas para as quais reservamos o nome genérico de igreja – representam um sistema de consumo como qualquer outro. As pessoas consomem igreja não apenas da forma que um dependente consome cocaína, mas da forma que adolescentes consomem telefones celulares e celebridades consomem atenção – isto é, com candura, com avidez, mas muitas vezes para o seu próprio prejuízo.

Todo sistema de consumo confere alguma legitimação, isto é fornece ao consumidor pequenas seguranças e pequenas premiações que fazem com que ele se sinta bem, sinta-se uma pessoa melhor (ou em condições privilegiadas) por estar desfrutando de um produto ou serviço de que – e isto é importante na lógica interna da coisa – não são todos que desfrutam.

As igrejas institucionais, por mais bem-intencionadas que sejam (e, creia-me, há muito mais gente bem-intencionada envolvida na criação e na sustentação delas do que seria de se supor) funcionam precisamente dessa maneira. Não é a toa que tanto a palavra quanto o conceito propaganda nasceram, historicamente falando, nos salões eclesiásticos. Se hoje há shopping centers e roupas de marca é porque a igreja inventou o conceito de propaganda e de consumo de massa. Foi a igreja a primeira a vender a idéia de que vestir determinada camisa e ser visto em determinada companhia demonstram eficazmente o seu valor como pessoa; foi a primeira a promover a noção simples (mas cujo tremendo poder as corporações acabaram descobrindo) de que o que você consome mostra que tipo de pessoa você é.

As pessoas que consomem igreja não têm em geral qualquer consciência de que estão se dobrando a um sistema de consumo, mas as evidências estão ali para quem quiser ver. A igreja não é um lugar a que se vai ou um grupo de pessoas que se abraça, mas uma marca que se veste, um produto que se consome continuamente. Tudo de bom que costumamos dizer sobre a igreja reflete, secretamente, essa nossa obsessão com o consumo – “o louvor foi uma benção”, “o sermão foi profundo”, “o coro cantou com perfeição”, “a palavra atingiu os corações”, “Deus falou comigo”. Em outra palavras, tudo que temos a dizer sobre a experiência da igreja são slogans. Na qualidade de consumidores, o que fazemos é retroalimentar nossa dependência, promovendo continuamente nosso produto na esperança de angariar mais consumidores e portanto mais legitimação.

O curioso, o verdadeiramente paradoxal, é que nada nesse sistema circular de consumo (ou em qualquer outro) tem qualquer relação com espiritualidade, com fé ou com a herança de Jesus. Ao contrário, sabemos ao certo que Jesus e os apóstolos bateram-se até a morte no esforço de demolir a tendência muito humana de encarcerar (isto é, satisfazer) os anseios emocionais e espirituais das pessoas em sistemas de consumo e legitimação (isto é, sistemas de controle).

O russo Leo Tolstoi acreditava que, diante da suprema singeleza do ensino de Jesus, levantar (e em seu nome!) uma máquina implacável e arbitrária como a igreja equivalia a restaurar o inferno depois que Jesus tornou o inferno obsoleto. De minha parte, vejo a igreja institucional como um refúgio construído por mãos humanas para nos proteger das terríveis liberdades e responsalidades dadas por Deus a cada mortal e que Jesus desempenhou de modo tão espetacular. Por outro lado, talvez esse refúgio seja ele mesmo o inferno.

No fim das contas você não encontrará na igreja nada que não seja inteiramente atraente e desejável, e aqui está grande parte do problema. Vá a um templo evangélico no domingo de manhã e o que vai encontrar é gente amável, respeitável, ordeira, de banho tomado, sorridente, perfumada e usando suas melhores roupas – e é preciso reconhecer que há um público para esse tipo irresistível de companhia. O bom-mocismo reinante é tamanho, na verdade, que não resta praticamente coisa alguma do escândalo inicial do evangelho.
Enquanto descansamos nesse abraço comum a verdadeira igreja, onde estiver (e talvez exista apenas no futuro), estará por certo mais próxima do dono do bar, da vendedora de jogo do bicho, do travesti exausto da esquina, do divorciado com seu laptop, dos velhinhos que babam em desamparo e das crianças que alguém deixou para trás. Certamente não usará gravata e não terá orçamento anual nem endereço fixo.

Portanto nada tenho contra aquilo que a igreja diz, que é em muitos sentidos bom e justo, mas não tenho como continuar endossando aquilo que a igreja dá a entender – sua mensagem subliminar, por assim dizer, mas que fala muitas vezes mais alto do que qualquer outra voz.

Com o discurso eclesiástico oficial eu poderia conviver indefinidamente (como de fato já fiz), mas seu meio é na verdade sua mensagem, e frequentar uma igreja é dar a entender:

1. Que aquela facção da igreja é de algum modo mais notável, e portanto mais legítima, do que todas as outras;
2. Que o modo genuíno de se exercer o cristianismo é estar presente nas reuniões regulares e demais atividades de determinada agremiação, ou seja, que a devoção é uma espécie de prêmio de assiduidade;
3. Que o conteúdo da crença é mais importante do que o desafio da fé;
4. Que o caminho do afastamento do mundo, segundo o exemplo de João Batista, é mais digno de imitação do que o caminho do envolvimento com o mundo, segundo a vida de Jesus
;5. Que o modo de vida baseado na busca circular pela legitimação é mais respeitável do que o das pessoas que conseguem viver sem recorrer a esses refrigérios;
6. Que o modo adequado de honrar a herança de Jesus é dançar em celebração ao redor do seu nome, ignorando em grande parte o que ele fez e diz.

Está confirmada, portanto, a ambivalência da minha posição em relação à igreja institucional. Por um lado, sinto falta dos seus confortos; por esse mesmo lado, respeito a inegável riqueza de sua herança cultural, que não gostaria de ver de modo algum apagada. Por outro lado, ressinto-me de que o nome singular de Jesus permaneça associado a um monstro burocrático no que tem de mais inofensivo e opressor no que tem de mais perverso, quando sua vida foi a de um matador de dragões dessa precisa natureza. Dito de outra forma, não tenho como condenar a permanência de alguma manifestação da igreja, mas não tenho como justificá-lo se você faz parte de uma.

Em janeiro de 1996 Walter Isaacson perguntou a Bill Gates a sua posição sobre espiritualidade e religião. Sua resposta entrará para os anais da infâmia – e não a dele. “Só em termos de alocação de recursos, a religião já não é coisa muito eficiente. Há muita coisa que eu poderia estar fazendo domingo de manhã”. Em resumo, o que dois mil anos de cristianismo institucional ensinaram ao homem mais antenado da terra é que religião é o que os cristãos fazem no domingo de manhã.

Só não ouse criticar o cara por sua visão rasa de espiritualidade. Fomos nós que demos essa impressão a ele, e só a nós cabe encontrar maneiras de provar que ele está errado.

Invente uma.