sábado, 15 de fevereiro de 2014

Lei 20 - Não se comprometa com ninguém

Tolo é quem se apressa a tomar um partido. Não se comprometa com partidos ou causas, só com você mesmo. Mantendo-se independente, você domina os outros – colocando as pessoas umas contra as outras, fazendo com que sigam você.

PARTE 1: NÃO SE COMPROMETA COM NINGUÉM, MAS SEJA CORTEJADO POR TODOS

Deixando que outros sintam que o possuem de alguma forma, você perde o poder sobre eles. Não comprometendo seus afetos, eles se esforçarão mais para conquistá-lo. Mantenha-se distante e você conquistará o poder que vem das atenções e dos desejos frustrados dessas pessoas. Faça o papel da Rainha Virgem: Dê esperanças, jamais a satisfação.

Visto que o poder depende tanto das aparências, você precisa aprender alguns truques para realçar a sua imagem. Recusar comprometer-se com alguém ou com um grupo é um deles. Quando você se retrai, não desperta raiva, mas um certo respeito. Você parece instantaneamente poderoso porque se torna inatingível, em vez de se render a um grupo ou a um relacionamento, como faz a maioria das pessoas. Com o tempo, essa aura de poder só faz crescer: conforme aumenta a sua reputação de pessoa independente, mais desejado você será, todos querendo ser aquele que fará você se comprometer. O desejo é como um vírus: se vemos alguém ser desejado por outras pessoas, tendemos a achá-lo desejável também.

Assim que você se compromete, foi-se o encanto. Você se torna igual a todo mundo. As pessoas tentarão todos os métodos escusos possíveis para levar você a um compromisso. Vão lhe dar presentes, encher você de favores, tudo para colocá-lo na situação de devedor. Incentive as atenções, estimule os interesses, mas não se comprometa de forma alguma. Aceite os presentes e favores se assim desejar, mas tenha o cuidado de se manter intimamente distante. Você não pode se permitir, inadvertidamente, sentir-se devedor com relação a ninguém. Mas lembre-se: o objetivo não é livrar-se das pessoas, ou fazer com que elas achem que você é incapaz de um compromisso. Como a Rainha Virgem, você tem que agitar as coisas, estimular o interesse, atrair as pessoas com a possibilidade de ficar com você. Você tem de se dobrar às suas atenções ocasionalmente, portanto — mas não demais. O general e estadista grego, Alcibíades, era mestre neste jogo. Foi ele quem inspirou e liderou a forte armada ateniense que invadiu a Sicília em 414 a.C. Quando, em casa, os invejosos atenienses tentaram derrubá-lo com acusações falsas, ele passou para o lado do inimigo, os espartanos, para não ter de enfrentar um julgamento na sua própria cidade. Depois, quando os atenienses foram derrotados em Siracusa, ele trocou Esparta pela Pérsia, apesar de o poder de Esparta estar em ascensão. Mas agora, tanto os atenienses quanto os espartanos cortejavam Alcibíades por sua influência com os persas; e os persas o enchiam de homenagens devido ao seu poder sobre os atenienses e espartanos. Ele distribuía promessas para todos os lados, mas não se comprometia com nenhum, e no final quem dava as cartas era ele.

Se você quer ter poder e influência, experimente a tática de Alcibíades: coloquese no meio de duas forças concorrentes. Atraia um dos lados prometendo ajuda; o outro, sempre querendo superar o inimigo, seguirá você também. Enquanto os dois disputam a sua atenção, você se torna logo uma pessoa que parece muito desejada e de grande influência. Você terá mais poder assim do que se comprometendo precipitadamente com um dos lados. Para aperfeiçoar a sua tática, você tem de se manter intimamente livre de envolvimentos emocionais, e ver todos a seu redor como peões para a sua ascensão. Você não pode se permitir servir de lacaio de nenhuma causa.

No meio das eleições presidenciais nos Estados Unidos, em 1968, Henry Kissinger telefonou para a equipe de Richard Nixon. Kissinger se aliara a Nelson Rockefeller, que tinha falhado na sua tentativa de ser indicado pelo partido Republicano. Agora Rockefeller estava oferecendo à campanha de Nixon informações privilegiadas de grande valor sobre as negociações para a paz no Vietnã, que estavam sendo realizadas em Paris. Ele tinha um homem no grupo de negociadores que o mantinha informado sobre os últimos acontecimentos. A equipe de Nixon aceitou com prazer a oferta.

Ao mesmo tempo, entretanto, Kissinger também abordou o candidato dos democratas, Hubert Humphrey, e ofereceu a sua ajuda. O pessoal de Humphrey lhe pediu informações confidenciais sobre Nixon, e ele deu. “Veja”, disse Kissinger ao pessoal de Humphrey, “há anos que detesto o Nixon.” De fato, ele não tinha interesse em nenhum dos dois lados. O que ele queria na verdade foi o que conseguiu: a promessa de um posto de alto nível no ministério, tanto de Nixon quanto de Humphrey. Não importando qual dos dois vencesse nas eleições, a carreira de Kissinger estava garantida.

O vencedor, claro, foi Nixon, e Kissinger teve o seu cargo no ministério. Mesmo assim, ele teve o cuidado de não se parecer demais com um homem de Nixon. Quando ele foi reeleito, em 1972, homens muito mais fiéis do que Kissinger foram despedidos. Kissinger foi também o único alto funcionário do governo Nixon que sobreviveu a Watergate e serviu ao presidente seguinte, Gerald Ford. Mantendo uma ligeira distância, ele prosperou em épocas turbulentas.

Quem usa esta estratégia com freqüência nota um estranho fenômeno: as pessoas que correm para apoiar os outros tendem a ser pouco respeitadas, pois sua ajuda é obtida com muita facilidade, enquanto as que se retraem se vêem cercadas de pedintes. O distanciamento delas é poderoso, e todos as querem ao seu lado. Picasso, passados os primeiros anos de pobreza e já o artista de maior sucesso no mundo, não se comprometeu com este ou aquele marchand, embora o cercassem por todos os lados com ofertas atraentes e promessas formidáveis. Pelo contrário, ele parecia não se interessar por seus serviços. Esta técnica deixava os marchands loucos, e enquanto o disputavam o preço das suas obras subia.

Quando Henry Kissinger, como secretário de Estado dos Estados Unidos, quis relaxar a tensão com a Rússia, não fez concessões nem gestos conciliatórios, mas cortejou a China. Isto enfureceu e até

assustou os soviéticos — eles já estavam politicamente isolados e temiam ficar ainda mais se os Estados Unidos e a China se unissem. O movimento de Kissinger os empurrou para a mesa de negociações. A tática tem um paralelo na sedução: se quiser conquistar uma mulher, aconselha Stendhal, seduza primeiro a irmã dela. Mantenha-se distante e as pessoas se aproximarão de você. Será um desafio para elas conquistar o seu afeto. Desde que você imite a sábia Rainha Virgem e mantenha acesas as esperanças, estará sempre atraindo o interesse e o desejo.

Não se comprometa com ninguém nem com coisa alguma, pois isso é ser escravo, escravo de todos os homens... principalmente, mantenha-se livre de compromissos e obrigações — esses são artifícios do outro para mantê-lo em seu poder...
Baltasar Gracián, 1601-1658



Homens espertos são lentos no agir, pois é mais fácil evitar compromissos do que se sair bem de um deles. Nessas ocasiões teste o seu bom senso; é mais seguro evitá-los do que sair vitorioso de um deles. Uma obrigação leva a outra maior, e você chega à beira do desastre.
Baltasar Gracián 1601-1658



PARTE II: NÃO SE COMPROMETA COM NINGUÉM - NÃO ENTRE NA BRIGA

Não se deixe arrastar para brigas mesquinhas e discussões. Pareça interessado e prestativo, mas encontre um jeito de se manter neutro; deixe que os outros briguem enquanto você se retrai, observando e aguardando. Quando as partes litigantes se cansarem, estarão maduras para a colheita. Você pode fazer disso uma prática, incentivar as discussões entre as pessoas, depois se oferecer como mediador, conquistando o poder como intermediário.

Quando você entra numa briga que não foi você que começou, perde a iniciativa. Os interesses dos combatentes tornam-se os seus interesses; você passa a ser uma ferramenta que eles usam. Aprenda a se controlar, a reprimir a sua natural tendência a tomar partido e entrar na briga. Seja amável e encantador com cada um dos combatentes, depois se afaste e deixe que eles se enfrentem. A cada batalha eles ficam mais fracos, enquanto você se fortalece a cada batalha que evita. Para ganhar no jogo do poder, você deve dominar suas emoções. Mas, ainda que você consiga esse autocontrole, não poderá controlar o temperamento das pessoas a sua volta. E aí é que está o perigo. A maioria das pessoas vive num redemoinho de emoções, constantemente reagindo, alimentando discussões e conflitos.

O seu autocontrole e autonomia só vai deixá-las aborrecidas e furiosas. Elas tentarão arrastálo para o turbilhão, implorando para que você tome partido nas suas intermináveis batalhas, ou faça as pazes por elas. Se você sucumbir às suas súplicas emocionais, pouco a pouco verá a sua mente e o seu tempo ocupados com os problemas delas. Não permita ser sugado por uma compaixão ou piedade qualquer que você possa sentir. Deste jogo você não sai vencedor; os conflitos só se multiplicam.

Por outro lado, você não pode ficar totalmente de fora, pois seria uma afronta inútil. Para fazer bem esse jogo, você deve parecer interessado nos problemas da outra pessoa, às vezes até tomar o seu partido. Mas, ao mesmo tempo que demonstra externamente o seu apoio, você deve manter interiormente a sua energia e sanidade íntegras, não se deixando envolver emocionalmente. Não importa o quanto as pessoas tentem atrair você, não deixe que o seu interesse pelos negócios e discussões delas passem além do superficial. Dê-lhes presentes, ouça com ar de simpatia, até ocasionalmente banque o sedutor — mas por dentro mantenha distância dos reis amáveis e dos pérfidos.

Recusando-se a se comprometer e mantendo assim a sua autonomia, a iniciativa continua sendo sua: seus movimentos continuam sendo escolha sua, e não reações defensivas ao puxa-empurra dos outros ao redor. Demorar para escolher as suas armas já pode ser, por si só, uma arma, especialmente se você deixar os outros se exaurirem lutando para depois se aproveitar da exaustão deles.

Na antiga China, o reinado de Chin certa vez invadiu o reinado de Hsing. Huan, o governante de uma província vizinha, achou que devia correr em defesa de Hsing, mas seu conselheiro lhe disse para esperar: “Hsing ainda não vai ser destruída”, falou ele, “e Chin ainda não está exausto. Se Chin não está exausto, [nós] não podemos influenciar muita coisa. Além disso, o mérito de apoiar um estado em perigo não é tão grande quanto a virtude de ressuscitar um estado em ruínas.” O argumento do conselheiro venceu e, como ele tinha previsto, Huan mais tarde teve a glória de salvar Hsing à beira da destruição e depois de conquistar um Chin exausto. Ele ficou de fora da briga até que as forças envolvidas nela se exauriram mutuamente, quando foi seguro para ele intervir.

Esta é a vantagem de se manter longe da confusão: você ganha tempo para se posicionar, para se aproveitar da situação assim que uma das partes começar a perder.

Você também pode levar o jogo um pouco mais adiante, prometendo apoio a ambos os lados num conflito enquanto manobra para ser você a levar vantagem na luta. Foi isso que Castruccio Castracani, governante da cidade italiana de Lucca, no século XIV, fez quando tinha seus planos para a cidade de Pistóia. Um cerco seria muito caro, em termos de vidas e dinheiro, mas Castruccio sabia que em Pistóia existiam duas facções, os Negros e os Brancos, que se odiavam. Ele negociou com os Negros, prometendo ajudá-los contra os Brancos; depois, sem que eles soubessem, prometeu aos Brancos que os ajudaria contra os Negros. E Castruccio manteve as suas promessas — enviou um exército para um dos portões da cidade controlado pelos Negros, que as sentinelas, é claro, deixaram entrar. Enquanto isso, outro exército seu entrava por um portão controlado pelos Brancos. Os dois exércitos se encontraram no meio do caminho, ocuparam a cidade, mataram os líderes das suas facções, terminaram a guerra interna e entregaram Pistóia a Castruccio.

Preservar a sua autonomia lhe dá opções quando as pessoas chegam às vias de fato — você pode bancar o mediador, o agente da paz, enquanto está na realidade garantindo os seus próprios interesses. Você pode prometer ajuda a um lado, e o outro terá que atraí-lo com uma oferta maior. Ou, como Castruccio, você pode parecer que está apoiando ambos os lados, depois representar o antagonista de um e de outro. Freqüentemente, num conflito, fica-se tentado a tomar o partido do mais forte, ou do que lhe oferecer as vantagens evidentes de uma aliança. Esse é um negócio arriscado. Primeiro, quase sempre é difícil prever qual dos lados prevalecerá a longo prazo. E mesmo que você acerte e se alie com o partido mais forte, poderá se ver engolido e perdido, ou convenientemente esquecido, quando eles se tomarem vitoriosos. Fique do lado do mais fraco, e você está condenado. Mas faça o jogo da espera, e não poderá perder.

Na França, depois de três dias de rebeliões durante a revolução de julho de 1830, o estadista Talleyrand, já idoso, sentou-se à sua janela em Paris ouvindo o repicar dos sinos que indicavam que as lutas tinham acabado. Voltando-se para um assistente, ele disse, “Ah, os sinos! Estamos ganhando..” ‘Nós’, quem, mon prince?”, perguntou o assistente. Fazendo um gesto para o homem se calar, Talleyrand replicou, “Nem uma palavra! Amanhã lhe direi quem somos nós”. Ele sabia muito bem que só os tolos se precipitam — que se comprometendo rápido demais você perde a capacidade de manobra. As pessoas também respeitam você menos por isso: quem sabe amanhã, pensam elas, você vai se comprometer com outra causa diferente, visto que se entregou tão facilmente a esta. A boa sorte é uma divindade volúvel que muda de lado com muita freqüência. O compromisso com uma das partes tira de você a vantagem do tempo e o luxo da espera. Deixe que os outros se apaixonem por este ou aquele grupo; mas você, não se apresse e nem perca a cabeça.

Finalmente, há ocasiões em que é mais sensato abandonar qualquer pretensão de parecer prestativo alardeando, pelo contrário, a sua independência e autoconfiança. A atitude aristocrática independente é importantíssima para quem precisa conquistar o respeito. George Washington reconheceu isso no seu esforço para dar à jovem república americana uma base firme. Como presidente, Washington fugiu à tentação de se aliar à França ou Inglaterra, apesar das pressões que sofria nesse sentido. Ele queria que o país conquistasse o respeito mundial por sua independência. Embora um tratado com a França talvez o tivesse ajudado no curto prazo, com o passar do tempo ele sabia que era mais eficaz estabelecer a autonomia da nação. A Europa tinha de ver os Estados Unidos como uma potência no mesmo pé de igualdade. Lembre-se: a sua energia e o seu tempo têm limite. Todos os momentos desperdiçados com os problemas alheios são subtraídos da sua energia. Você pode temer ser acusado de insensibilidade, mas no final, mantendo-se independente e confiante em si próprio, você será mais respeitado e conquistará o poder de escolher quando deve, ou não, tomar a iniciativa de ajudar os outros.



Quando a narceja e o mexilhão brigam, quem leva a melhor é o pescador. 
Antigo ditado chinês



Considere que não se comprometer exige mais coragem do que vencer uma batalha, e lá onde já existe um tolo interferindo, cuidado para não existirem dois. 
Baltasar Gracián, 1601-1658



O INVERSO

Ambas as partes desta lei se voltarão contra você se você exagerar. O jogo proposto aqui é delicado e difícil. Se você colocar muitos partidos se enfrentando, eles acabarão percebendo a manobra e conspirarão contra você. Se você deixar um número cada vez maior de pretendentes esperando demais, não vai despertar o desejo mas, sim, a desconfiança. As pessoas vão começar a perder o interesse. Você vai acabar achando que vale mais a pena se comprometer com uma das partes — nem que seja só pelas aparências, para provar que é capaz de ser solidário.

Mesmo nesse caso, entretanto, a chave será manter a sua independência interior — não se permitir envolver emocionalmente. Preservar a opção tácita de poder sair a qualquer momento e reclamar a sua liberdade, se o partido ao qual você se aliou ameaçar vir abaixo. Os amigos que você fez, enquanto estava sendo cortejado, lhe oferecerão um lugar para ir depois de abandonar o navio.

Fonte: "As 48 leis do Poder", Robert Greene e Joost Elffers, Editora Rocco, 2000