quarta-feira, 9 de outubro de 2013

Entenda o que é a energia nuclear

Fique atento: O português desse texto está escrito no português de Portugal.

"O universo é constituído por partículas fundamentais. Pensava-se inicialmente que essas partículas eram os átomos, de tal modo que lhes chamaram átomos. Átomo é a palavra grega que significa indivisível. Só que, com o tempo, os físicos foram-se apercebendo de que era possível dividir o indivisível." Aproximou o polegar do indicador, expressando algo minúsculo. "Descobriu-se que havia partículas ainda mais pequenas, designadamente o protão e o neutrão, que se juntam no núcleo do átomo, e o electrão, que o orbita como se fosse um planeta, só que incrivelmente veloz." Imitou com o indicador o gesto do electrão a circular em torno da xícara pousada na mesa. "Imagine que éramos capazes de encolher Lisboa até às dimensões de um átomo. Se o fizéssemos, um núcleo ficaria do tamanho de, por exemplo, uma das vossas bolas de futebol, colocada no centro da cidade. Nesse caso, um electrão seria um berlinde espalhado por um raio de trinta quilômetros em torno desse centro, capaz de dar quarenta mil voltas em torno da bola de futebol em apenas um segundo. Isto é só para que tenha a noção de quão vazio e pequeno é um átomo."

Tomás deu três toques na mesa.

"Então se os átomos são assim tão vazios", disse o português, "por que razão, quando eu toco nesta mesa, a minha mão bate nela e não a atravessa?"

"Bem, isso deve-se às forças elétricas de repulsão entre os electrões e a uma coisa que chamamos o Princípio de Exclusão de Pauli, que prevê que dois átomos não podem ocupar o mesmo estado. O que nos leva à questão das forças existentes no universo." 

Bellamy voltou a erguer os dedos, mas desta vez foram quatro. "Todas as partículas interagem entre si através de quatro forças. Quatro. A força da gravidade, a força eletromagnética, a força forte e a força fraca. A força da gravidade, por exemplo, é a mais fraca de todas, mas o seu raio de ação é infinito." Repetiu o gesto da circulação orbital à volta da xícara. "Aqui na Terra sentimos a atração da força de gravidade do Sol e até do centro da galáxia, em torno da qual giramos. 

Depois há a força eletromagnética, que é a junção da força elétrica com a força magnética. O que se passa é que a força elétrica faz com que cargas opostas se atraiam e cargas semelhantes se afastem." Bateu com o dedo na mesa. "E é aqui que está o problema. Os físicos aperceberam-se de que os protões têm carga positiva. Mas a força elétrica determina que cargas semelhantes se repelem, não é? Ora, se os protões têm cargas semelhantes, pois são todos positivos, obrigatoriamente têm de se repelir. Foram feitas as contas e descobriu-se que, se ampliassem os protões para o tamanho de uma bola de futebol, mesmo que se cobrissem os protões com a mais forte liga metálica que se conhece, a força elétrica repulsiva entre eles era tão forte que essa liga metálica seria destruída como se fosse papel higiênico." Ergueu o sobrolho. "E para que veja quão forte é a força elétrica que repele os protões uns dos outros." Fechou o punho. 

"E, no entanto, apesar de toda esta força repulsiva, os protões mantêm-se unidos no núcleo. Porquê? Que força existe que é ainda mais forte do que a poderosa força elétrica?" Fez uma pausa dramática. "Os físicos puseram-se a estudar o problema e descobriram que existia uma força desconhecida. Chamaram-lhe força nuclear forte. É uma força tão grande, tão grande, que é capaz de manter os protões unidos no núcleo." Cerrou o punho com força, como se a mão fosse a energia que mantinha o núcleo coeso. "Na verdade, a força forte é cerca de cem vezes mais forte do que a força eletromagnética. Se os protões fossem dois comboios a afastarem-se um do outro a alta velocidade, a força forte seria suficientemente forte para os manter juntos, para os impedir de se afastarem. É isso a força forte." 

Ergueu um dedo, como quem faz um aviso. "Mas, apesar de toda a sua tremenda força, a força forte tem um raio de ação muito curto, menos que o tamanho de um núcleo atômico. Se um protão conseguir sair do núcleo, então deixa de estar sob a influência da força forte e submete-se apenas à influência das restantes forças. Entendeu isto?"

"Sim."

"Good boy." Bellamy considerou por momentos o modo como explicaria o passo seguinte. Voltou a cabeça para a janela e observou o Sol prestes a esconder-se para lá dos edifícios recortados no horizonte. "Repare no Sol. Por que razão ele brilha e irradia calor?"

"São explosões nucleares, não é?"

"Parecem, claro. Na verdade não são explosões, mas movimentos de um plasma cuja origem última se encontra em reações nucleares que ocorrem no núcleo. Sabe o que quer dizer reações nucleares?"

Tomás encolheu os ombros. "Uh... sinceramente, não sei."

"Os físicos estudaram o problema e descobriram que, sob determinadas condições, era possível libertar a energia da força forte que se encontra no núcleo dos átomos. Consegue-se isso através de dois processos, a cisão e a fusão do núcleo. Ao partir um núcleo ou ao fundirem-se dois núcleos, uma tremenda energia da força forte que une o núcleo é libertada. Devido à ação dos neutrões, os outros núcleos próximos vão também sendo quebrados, soltando ainda mais energia da força forte e provocando assim uma reação em cadeia. Ora, você já viu quão brutalmente forte é esta força forte, não viu? Agora imagine o que acontece quando a sua energia é libertada em grande quantidade."

"Há uma explosão?"

"Há uma libertação da energia dos núcleos dos átomos, onde está a força forte. Chamamos-lhe, por isso, uma reação nuclear."

Tomás abriu a boca.

"Ah!", exclamou. "Já entendi."

O americano voltou a contemplar a esfera alaranjada que se deitava sobre os telhados cor de tijolo de Lisboa.

"É isso o que se passa no Sol. A fusão nuclear. Os núcleos dos átomos vão sendo fundidos, libertando-se assim a energia da força forte." Os olhos azuis regressaram aos verdes de Tomás. "Sempre se pensou que isto era algo só produzível pela natureza. Mas em 1934 houve um cientista italiano com quem trabalhei em Los Alamos, chamado Enrico Fermi, que bombardeou urânio com neutrões. A análise dessa experiência permitiu descobrir que o bombardeamento produziu elementos mais leves do que o urânio. Mas como era isso possível? A conclusão foi a de que o bombardeamento quebrara o núcleo do urânio, ou, por outras palavras, provocara a sua cisão, permitindo assim a formação de outros elementos. Percebeu-se deste modo que era possível libertar artificialmente a energia da força forte, não através da fusão dos núcleos, como acontece no Sol, mas através da sua cisão."

"E é isso a bomba atômica."

"Nem mais. No fundo, a bomba atômica consiste na libertação em cadeia da energia da força forte através da cisão do núcleo dos átomos. Em Hiroxima foi usado o urânio para obter esse efeito, em Nagasáqui recorremos ao plutônio. Só mais tarde a bomba de hidrogênio pôs fim ao recurso à cisão dos núcleos, passando antes a usar a fusão dos núcleos, como acontece no interior do Sol."

Frank Bellamy calou-se, recostou-se de novo na cadeira e engoliu todo o café que lhe restava na xícara.



Texto extraído do livro "A fórmula de Deus", escrito por José Rodrigues dos Santos, editora Record, 2008.