sábado, 19 de outubro de 2013

A verdadeira necessidade de um concorrente

Uma das redes que também via seu futuro ameaçado pelos passos da gigante era a Target. Um dos principais varejistas do mercado americano, a empresa assistia preocupada a parte de seu público migrar para a rival nos anos 1990.

Foi este o cenário que o CEO Bob Ulrich encontrou ao assumir a rede, em 1995. O executivo fez uma análise da situação e concluiu o que todos já sabiam: era impossível vencer o Wal-Mart. Pelo menos, com as mesmas armas que ele: agressividade e preços baixos. A Target só teria chance se trilhasse outro caminho.

Bob apostou que havia espaço para uma rede que oferecesse mais do que preço e variedade, mas também charme, estilo e design. Tudo o que o Wal-Mart, devido a seu tamanho, não poderia oferecer.

Como é possível aliar charme a um varejo desse tipo? Simples: apelando para a criatividade. Veja como, em cinco passos, a Target de Bob Ulrich construiu um dos maiores cases do varejo recente.

1) As lojas foram repaginadas para ficarem mais claras, limpas e organizadas. Para evitar longas filas, todas as caixas disponíveis foram ativadas. A meta era ter o mínimo de espera. No máximo, uma pessoa sendo atendida e outra aguardando.

2) Firmaram parceria com fabricantes menores e pouco conhecidos para a produção de linhas exclusivas. Em troca, a rede prometeu transformar os produtos locais em marcas nacionais.

3) A seguir, desenvolveram-se linhas de produtos assinados por personalidades. Como todo mundo sabe, gente famosa custa muito dinheiro. Mas a Target pensou diferente: pesquisou nomes de pessoas conhecidas mas que, momentaneamente, estavam por baixo ou desaparecidas da mídia. Gente como os estilistas Isaac Mizrahi e Mossimo Giannulli e os arquitetos Michael Graves e até mesmo (o hoje onipresente) Philippe Starck.

4) Mas de nada adiantaria fazer isso tudo se ninguém chegasse a saber. Assim, o desafio seguinte foi trabalhar a exposição na mídia. Em vez de investir pesado em propaganda, como fazia o concorrente, a Target apelou para ações criativas e de grande impacto. Exemplos: no Natal de 2002, a rede ancorou em plena Manhattan um barco de 67 metros repleto de presentes. Em 2004, patrocinou a reabertura do Museu de Arte Moderna de Nova York (MoMa), e ofereceu entrada gratuita para a população todas as sextas-feiras à noite. Em 2007, realizou o primeiro desfile em que, em vez de modelos, foram utilizados hologramas em alta definição para exibir as roupas da nova estação. Resultado: repercussão na imprensa, simpatia do público e construção de uma marca de varejo cool.

Assim, a despeito do todo-poderoso Wal-Mart, a Target vem crescendo nos últimos anos e se firmando como uma varejista diferenciada. Atraiu um público mais qualificado, com maior poder aquisitivo, e desfruta uma ótima lucratividade. Enquanto o setor tem enfrentado dificuldades, o lucro líquido da Target está próximo de 17% (o do Wal-Mart gira em torno de 3,5%). Em 2008, a rede registrou US$ 65 bilhões em faturamento, um aumento de 20% em comparação com 2005.

Atualmente, existem 1.591 lojas Target nos Estados Unidos. Detalhe: 70% delas estão nos mesmos mercados que o Wal-Mart. Apesar disso, graças à estratégia de linhas exclusivas e itens assinados, apenas 40% dos produtos se sobrepõem e são concorrentes diretos. E o objetivo é reduzir essa semelhança ainda mais.

Note que a rede só encontrou esse caminho vencedor porque foi pressionada pelo concorrente. Se não fosse pelo Wal-Mart, talvez a Target fosse apenas mais uma rede de varejo.

Olhando por esse prisma, chegamos à conclusão de que ter concorrentes não é nada agradável, mas é necessário. É o que nos obriga a ser cada dia melhores. Como diz o brilhante texto abaixo, encontrado entre os papéis de Attilio Fontana, fundador da Sadia:

“Benditos sejam os meus concorrentes

Que me fazem levantar cedo e me render mais o dia

Que me obrigam a ser mais atencioso, competente e correto

Que me fazem avivar a inteligência para melhorar meus produtos e meus serviços

Que me impõem a atividade, pois, se não existissem, eu seria lânguido, incompetente e retrógrado

Que não dizem minhas virtudes e gritam bem alto meus defeitos e, assim, posso me corrigir

Que quiseram arrebatar-me o negócio, forçando-me a me desdobrar para conservar o que tenho

Que me fazem ver em cada cliente um homem a quem devo servir, e não explorar, o que faz de cada um meu amigo

Que me fazem tratar humanamente meus vendedores, para que se sintam parte de minha empresa e, assim, vendam com mais entusiasmo

Que provocaram em mim o desejo de me superar e melhorar meus produtos

Que por sua concorrência me converti em um fator de progresso e prosperidade para o meu país

Salve, concorrentes, eu os saúdo...

Que o Senhor lhes dê vida longa.”