terça-feira, 24 de setembro de 2013

Entenda a origem e como a Casas Bahia se transformou no que conhecemos hoje

Nos anos 1950, quem andava por São Paulo podia ver a quantidade de nordestinos nas ruas da cidade. Vindos em busca de uma vida melhor, muitos desses migrantes não tinham estudo, formação nem documentação. Por isso, eram obrigados a aceitar trabalhos mal remunerados e sem carteira de trabalho assinada. Por não terem garantias, não podiam fazer compras a prazo, porque os comerciantes temiam calotes.

Sem opções, eram obrigados a adquirir produtos dos mascates que circulavam pelas ruas. Um desses vendedores ambulantes, Samuel, sabia das queixas e reclamações dos migrantes, que se julgavam vítimas de preconceito e discriminação.

Samuel, que vendia cobertores, toalhas e outras mercadorias apenas na base da palavra, sabia que os nordestinos eram bons pagadores. Apesar de não ter papel assinado ou qualquer comprovante, 70% deles pagavam em dia. Os outros 30% podiam atrasar, mas também honravam as dívidas.

De olho num mercado que crescia sem parar, Samuel pensou em montar uma loja especialmente dedicada a esse público, um lugar onde qualquer pessoa pudesse abrir crediário – bastaria ter comprovante de residência. Como muitos migrantes eram analfabetos, o mascate pensou numa ficha na qual, no lugar da assinatura, houvesse espaço para a impressão digital.

Para colocar seu plano em prática, em 1957, o comerciante adquiriu uma pequena loja em São Caetano do Sul, com apenas 800 clientes cadastrados. Para vender, Samuel usou suas técnicas de mascate: mandava seus vendedores abordarem as pessoas nas ruas, tirarem os pedidos e anotarem tudo em cadernetas.

Nem é preciso dizer que os nordestinos, até então abandonados pelo comércio e carentes de tudo, invadiram a Casa Bahia (no singular mesmo, porque era uma loja só), do jovem Samuel Klein, obrigando-o a abrir rapidamente filiais.

Por descobrir, praticamente sozinho, um nicho inexplorado, Klein construiu um gigantesco império. Atualmente, as Casas Bahia são a maior rede de varejo de eletrônicos e de móveis do Brasil, com 560 lojas em dez estados brasileiros, um exército de 57 mil funcionários e 16 milhões de clientes cadastrados. Sozinha, a rede é responsável pela venda de aproximadamente 20% de toda a produção de produtos eletrônicos no país.

Para efeito de curiosidade: o nome Casas Bahia não foi criado por Samuel. A loja comprada por ele em 1957 já tinha esse nome (sem o “s”, frise-se). Já o boneco baianinho, símbolo da rede, é fruto de sua gestão. O personagem possui chapéu de pernambucano e bombachas gaúchas, para representar a integração do Brasil dentro das Casas Bahia, que espera crescer muito mais. “Pobre e mercadoria nunca vão faltar no Brasil. O país é muito grande e populoso”, resume Klein.

Casas Bahia: os segredos para atrair a classe C

Nos últimos anos, o Brasil experimentou um período de prosperidade sem precedentes, resultado da estabilidade da economia, do fortalecimento do real e da retomada do crescimento econômico.

O aumento da classe C atraiu a atenção de inúmeras empresas para esse mercado. Mas nem todo mundo está se dando bem, por dois motivos principais.

Primeiro, porque a grave crise financeira de 2008 fechou a torneira do crédito popular, causou forte desaceleração da economia e interrompeu a expansão desse segmento.

Segundo, porque atender a esse público se revelou ser bem mais complicado do que supunham os empresários. A classe C quer preço baixo, mas também exige qualidade, valoriza – e muito – o relacionamento e tem lá seus caprichos, como rejeitar o termo “popular” na propaganda.

No Brasil, quem se saiu melhor na tarefa de vender para essas pessoas foram as Casas Bahia. Fenômeno do varejo nacional, a empresa foi a maior beneficiada pela explosão do consumo.

Desde o Plano Real, o número de lojas da rede quintuplicou. Qual o segredo da companhia? Como consegue ser tão bem-sucedida nesse segmento? A resposta é experiência e muito, muito conhecimento. A seguir, alguns fatores-chave para o sucesso da rede:

1. Facilidade na abertura de crédito

Boa parte da classe C é formada por gente que não tem como comprovar renda. São vendedores ambulantes, empregadas domésticas, pedreiros. As Casas Bahia tornaram o crédito acessível a essas pessoas, exigindo apenas comprovante de residência e nome limpo na praça. De cada 100 clientes da rede, cerca de 70 não têm como comprovar os rendimentos.

2. Ter feeling para aprovar o cliente

O segredo para evitar a inadimplência é identificar os mentirosos. Como? A empresa utiliza alguns truques na entrevista. Se o sujeito se apresenta como carpinteiro, o analista observa se ele tem calos nas mãos. Se disser que é pintor, o funcionário procura por respingos de tinta nas roupas. Às vezes, o analista finge estar reformando a própria casa e pede indicações de profissionais para um homem que se diz pedreiro, por exemplo. “Crédito é cheiro e, por isso, é preciso conversar com o cliente”, revela um funcionário.

3. Ver se o produto combina com o padrão de vida do cliente

Muitas vezes, o comprador não tem noção de seu real poder aquisitivo. E decide levar algo que não cabe no seu bolso. É nesse momento que entra em cena a habilidade do pessoal da loja. Se um sujeito quer comprar uma TV de 29 polegadas mas o valor excede sua condição, o vendedor sutilmente oferece um modelo de 20 polegadas.

4. Checar se o endereço do cadastro é o mesmo da entrega

É comum um cliente com nome limpo “emprestar” o nome para que um terceiro possa realizar suas compras. Para evitar a manobra, que facilmente resulta em inadimplência, o financiamento só é liberado se o endereço do cadastro for o mesmo da entrega.

5. Cobrar sem agredir ou intimidar

Se um cliente atrasa o pagamento, seis dias depois recebe uma ligação informando do esquecimento. Se não tiver telefone, recebe uma carta. Se não funcionar, um representante vai à casa do sujeito. O cobrador é orientado a analisar a situação e agir caso a caso. Se o cliente for vítima de uma demissão coletiva, por exemplo, o pagamento é renegociado. A empresa deixa claro ainda que compreende o período de dificuldades e promete não deixá-lo na mão. É claro que, com essa atitude, se conquista a simpatia do freguês para sempre.

6. Clima amigável e intimista nas lojas

Sempre que inaugura uma nova loja, a rede dá preferência à contratação de moradores do próprio bairro. Dessa forma, estabelece um ambiente de intimidade e descontração. Os funcionários são orientados a tratar os clientes antigos pelo nome.

7. Oferecer produtos de qualidade

O público da classe C está informado e exigente como nunca. Seu sonho é consumir as mesmas marcas das classes mais altas. Por isso, as Casas Bahia fazem questão de trabalhar também com as marcas mais conceituadas do mercado. “Com a experiência, aprendi que vender artigos ruins só faz aumentar a inadimplência”, afirma Michel Klein, diretor executivo da companhia. Até com questões ambientais esse público já se preocupa: é comum alguém questionar que tipo de gás determinada geladeira libera, por exemplo.

8. Investimento maciço em comunicação

Em 2008, pelo quinto ano consecutivo, as Casas Bahia ocuparam o posto de maior anunciante do país. A estratégia da companhia é destinar 3% do faturamento à publicidade. O montante, somado às propagandas cooperadas com parceiros, ultrapassa R$ 1 bilhão anuais.

9. Entrega própria

Ao contrário de outras gigantes do varejo, a rede mantém sua própria frota de entrega. Segundo a companhia, esse é momento mais favorável para estreitar o relacionamento com o consumidor. Os entregadores ajudam a posicionar os produtos, trocam os móveis de lugar e até içam artigos pela janela, sempre com um sorriso no rosto. Além de garantir agilidade (as entregas são feitas em no máximo 48 horas), é uma forma de provar que o endereço do cliente é real.

10. Contar com a honestidade do brasileiro

Pode parecer arriscado aprovar crédito sem comprovação de renda. Mas as Casas Bahia descobriram que os consumidores de baixa renda são os melhores pagadores. Têm princípios, honram compromissos e zelam pelo nome limpo, mesmo porque, muitas vezes, é a única garantia de que dispõem. “Quanto mais pobre o cliente, mais pontual é o seu pagamento. O pobre preza a reputação e não admite perder o crédito”, declara Samuel Klein. O índice de inadimplência na rede está entre os mais baixos do mercado. Enquanto na concorrência chega a 16%, nas lojas dos Klein não passa de 8%.



Texto extraído do livro "Oportunidades Disfarçadas", escrito por Carlos Domingos, editora Sextante, 2009.